Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

Conteúdo Atualizado Semanalmente



segunda-feira, maio 29, 2006


 

COMO FAZER TEATRO INFANTIL



por Jorge Garoya



Em 1981 Jorge Garoya publicou na revista argentina Humor o texto “Como fazer teatro infantil”, onde faz uma séria crítica, porém cheia de humor e ironia, àqueles que “usam” o teatro para crianças e o tratam como algo menor, mais fácil, de modo absolutamente equivocado.
Vinte e cinco anos depois, o “FORO IBEROAMERICANO DE TEATRO PARA NIÑOS Y JÓVENES” , publicação da ATINA - Asociación de Teatristas Independientes para Niños y Adolescentes de la Argentina, republica este texto em seu boletim do mês de maio, Año 1 N* 49 – 22 de Mayo 2006, por sua atualidade
Carlos Augusto Nazareth

Como fazer teatro infantil?
Por Jorge Garayoa
Texto completo. Publicado por Humor (Buenos Aires, Argentina) em maio de 1981
Numerosos estudantes de teatro, atores, principiantes e artistas de teatro de lento crescimento optaram por ter como plataforma de lançamento para seu desenvolvimento profissional, por encarar de frente e sem pudor o teatro infantil.
Por que começam por aí? Fácil. Porque o teatro infantil, como todo o mundo sabe, é um gênero menor, infinitamente mais fácil de fazer que o teatro não-infantil e – como seu nome indica – é dedicado às crianças, que são como os adultos, porém menores e mais burros. Teatro infantil - às vezes vem de infância e outras vezes de infanticidio.
Quase qualquer lugar pode ser considerado adequado. Desde um teatro tradicional, até um pequeno sótão inabitável. O pai-mãe chega com a criança ao lugar em questão, mas com um forte pressentimento, que ele tenta afastar, gritando NÃO! No mínimo, o espetáculo é bom, muitos casos de peças feitas com dignidade e até com talento pensam os pais que se sentam ao lado da criança e lhes dão um caramelo com dois objetivos: 1) acalmar os nervos, 2) tratar de se aproximar, de algum modo, da sensibilidade e do gosto das crianças.
Quando vão se apagando as luzes do teatro os pais sentem uma fria sensação na espinha. Se conhecem o elenco por alguma peça anterior, já estará preparado para algo bom ou ruim, mas em caso contrário, o frio na espinha será muito mais intenso.
Entra em cena um grupo de atores com malhas coloridas e muito entusiasmo. com. o fundo musical de ama cacao perpetrada por nutro ator que se acompanha com violão, dançam, sorriem e se apresentam. A coreograifa é elementar, o sorriso forçado e a apresentação óbvia, porém tudo feito com muito entusiasmo.
- Olá, crianças! – frase absolutamente indispensável, sem a qual não há possibilidade alguma de tentar estabelecer uma comunicação com a platéia infantil. Nós somos… - e aqui o nome ao estilo Pirulinho e Pirulão, Evinha e Evão. Demos muita vontade de conhecê-los, crianças e de todos juntos viajarmos pelo país da magia e da fantasia, um país onde tudo é bonito, as pessoas são boas e tudo, que é bom, é possível – neste trecho um pai-mãe recorda o último discurso político – “… e queremos convidá-los a percorrer juntos este país.” E os atores continuam:
- Querem, crianças? Sim? Vamos? – com olhar tenso os atores se aterrorizam devido ao silêncio das crianças e não têm outra opção que lançar um tímido “sim”, eles mesmos.
Passado este momento constrangedor os atores retomam o entusiasmo. Em seguida e sem que nada possa evitá-lo, fará sua entrada triunfal algum bichinho. Pode ser um monstro cabeçudo, uma coruja triste ou um outro estúpido e dentuço. Se trata da cota de fantasia animal (e não de fantasia, animal!) que todo espetáculo para crianças deve ter. Este bicho poderia chegar a contracenar de maneira ao menos divertida, porém só é usado como uma surpresa. Depois o deixam de lado e passa a ser mais um elemento do cenário, que, de vez em quando, balança a cabeça. Estes bichos bem poderiam se chama Pepe. Os Pepes abundam no teatro infantil e são muito entusiamados.
A ficho dividirá o mundo em boas e mas, Asia serio os seres humanos, os robos, os cachorrillos, os filodendros, maçãs assadas ou pneumáticos. De um lado estão os bons (porém bons-bons, bons com determinação, bons sem falhas, asquerosamente bons) e do outro a parte ruim da vida (os maus que são maus até quando querem ser bons, os maus computadorizados, os maus fanáticos, os maus malíssimos).
E a luta se trava, em uma nítida reprodução do típico esquema de filme de cowboys, onde esta luta constitui o eixo da obra e conduz inevitavelmente a um único final: o triunfo óbvio, rebuscado, às vezes, convencional sempre, aborrecido inclusive. Triunfo dos bons que festejam com muito entusiasmo.
A prova de amor

E assim poderíamos continuar mencionando uma infinidade de situações, exemplos e faces do teatro infantil. Deste tipo de teatro para crianzas a que nos referimos, claro. O… como defini-lo? Mal, talvez? Deficiente? Incompleto? Perigoso, seria melhor. Porque o teatro, como as outras expressões artísticas e/ou comunicação de massas, pode ser nocivo. E com mais razão aquele teatro que fala à criança, cercando-a de mensagens estéticas e valores éticos a este ser humano que não é uma
adulto pequeno, se não um ser que está aprendendo a ser adulto.

O curioso é a maneira que o teatro infantil é utliizado como trampolim de formação, treinamento ou aperfeiçoamento profissional. É como a prática hospitalar para o médico. Aquejes que se dedicam a espetáculos infantis são, na maioría dos casos, aprendizes . Esta é a questão. Chegar a fazer Chekov ou Sófocles é difícil por dois motivos: porque se fazem poucos Chekov e Sófocles e porque – mesmo que a oportunidade se apresente – para fazer Chekov, ou Sófocles, ou Shakespeare, ou Dostoievsky, ou Ibsen , ou Brecht, tem que ter com o quê fazer. Então, dando tempo ao tempo, enquanto vão lhe fazendo surgir o talento que possui, aproveitando o que é muito menos difícil encontrar um teatro livre à tarde que à noite e com consciência de que equivocar-se diante de vinte crianças é uma coisa, porém errar diante de duzentos adultos e quatro críticos, com uma obra séria e para adultos é uma coisa muito diferente…aprendendo, pesquisando, tateando na neblina, usando as crianças como “porquinhos da India”… o ator, o diretor e o autor fazem teatro infantil. Com bastante amor e muito entusiamso, é verdade. E assim vai o teatro infantil.


Ingredientes do teatro infantil
Chegou o momento esperando. Sem nos preocuparmos com a ordem passamos a enumerar os elementos necesarios para conseguir um espetáculo infantil ortodoxo, desses que abundam por aí.
Formar um grupo entusiasmado
E entusiasmado quer dizer exatamente isso e não outra coisa.
Ser psicopedagogo, profesor do maternal ou do primário
Com isso já se está capacitado a escrever, atuar ou dirigir uma obra para criança.
Propor um país de fantasia
Bem, bem, bem alienado da realidade, que poderia ser criticada, porém não é algo com o que se deva andar aborrencendo as crianças..
Canções infantis
Se constituem de melodias pequenas, com letras pequeninas. A poesía trazem conteúdos didáticos, direcionados aos adultos, na verdade, mais que à criança.
Atores com malha de ballet
Pode se pensar em algo maíz absurdo que fases teatro infantil SEM usar malas de ballet?
Três cubos de cores diferentes
Que possa ser transformados em qualquer coisa, demonstrando dessa maneria ter uma asombrosa capacidade imaginativa e prática.
Um boneco humanizado e bobo
Com um ator dentro, que morre de calor
Momentos de humor
Porém humor infantil. Quer dizer, humorzinho. Ou seja, humorete. Em outras palavras, hmmmmmmm
Explicações verbais da ação que acontece
Enquanto a ação acontece se explica o que está se vendo no palco.
Apelar para personagens famosos e misturá-los sem pudor
Donald e Batman, Peter Pan e A Mulher Maravilla, Asterix e Maradona
Falta de necessidade de criar uma obra de teatro
Basta armar uma série de situações desconexas.
Não odiar as crianças
Não é necesario amá-los, tampouco. Não há porque exagerar.
Não ter nada que fazer aos sábados e domingos à tarde
Do contrário, tudo se complica
Animar-se a distribuir filipetas na porta do teatro
Isto é quase mais importante que estudar o texto da peça
Imprimir ao espetáculo um grande ritmo físico
Correr, saltar e gritar muito
Convecer-se de que as crianças o perdoam.
Porém as crianças não perdoam. Só fingem. Quando crescem e têm a sorte de amadurecer e se tornar adultas mais ou menos como a gente e vão ao um teatro depois de muito tempo sem pisar, ninguém alega haver uma desculturização teatral originada na infancia e na adolescencia, em virtude do que presenciaram e se reconciliam com uma das mais belas da arte, e se dão conta de seu passado, de platéia sofredora, e então vaiam em silêncio e com educação, porém não menos indignados e se dão conta de que não têm vontade de perdoar àqueles que lhes deram um mal teatro infantil.
Teatro infantil: esse gênero dramático tão difícil, para o qual há que saber fazer teatro e mais que isto, conhecer a criança. Teatro infantil: uma arma fantástica de formação estética e ideológica. Teatro infantil: uma expressão artística que, quando é bem feita, o adulto também gosta.
Tradução:Carlos Augusto Nazareth
Fonte: revista Humor, Buenos Aires, Número 58, Maio, 1981, páginas 73,74.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 8:23 PM 4 Comentários



sábado, maio 20, 2006


 

UMA TARDE INESQUECÍVEL



por carlos augusto nazareth



Em 1995 Ilo Krugli, no I SEMINÁRIO DO TEXTO TEATRAL E DO TEATRO NA ESCOLA, realizado na Biblioteca Estadual Celso Kelly, depois que o público colocou suas preocupações, suas questões e sua visão da situação do teatro infantil no país, Ilo teve uma fala comovida:
“Ouvindo vocês falarem tenho a sensação de que nada fiz nestes trinta e cinco anos de trabalho, pois, quando comecei as reclamções eram as mesmas que ouço hoje... trinta e cinco anos depois”
Hoje à tarde, assistindo a um espetáculo no Rio de Janeiro, tive exatamente a mesma sensação que Ilo Krugli, em 1995. Parece que nos meus vinte e cinco anos de trabalho com o teatro infantil nada mudou.
E já tivemos momentos gloriosos mesmo de excepcional qualidade e excelência do teatro para crianças.
Temos, no momento, ações permanentes – o CBTIJ Centro Brasileiro do Teatro para a Infância e Juventude, que desenvolve trabalho sistemático em prol da qualidade do teatro para crianças, o Centro de Referência do Teatro Infantil, que tem uma programação de qualidade e realizará em meados do ano o seu já conceituado Encontro de Linguagens, em busca da excelência do teatro infantil, este blog, que foi criado com este mesmo objetivo e também com este mesmo objetivo foi criado o Centro de Estudo e Pesquisa do Teatro Infantil CEPETIN, que criou o Prêmio Zilka Salaberry de teatro infantil, o Fórum permanente de dramaturgia, em parceria com a Casa da Leitura, e outras atividades em desenvolvimento.
E o que vemos? Um texto de Maria Clara Machado, Maria Minhoca, em cena, da forma mais inacreditável que se possa imaginar. Uma tarde para não se esquecer jamais.
O público reduzidíssimo de cerca de vinte pessoas, absolutamente apático, assistia ao festival de sandices em cena.
Um dos personagens, para não ver o outro “escondido” atrás de um banco ficava todo o tempo de sua fala de costas, para não ver o personagem, atores que não sabiam falar, diziam mecanicamente o texto, muitos deles com problemas sérios de prolação, necessitando urgentemente de orientação de um fonoaudiólogo.
O cenário era uma tapadeira de pano, onde havia uma porta e uma janela com cortinas, com flores de plástico embaixo da janela; era o protótipo da “estética do teatro infantil” que ocupou os palcos durante anos, mas que agora, só se vê em casos terminais.
Os figurinos simplórios, chegavam a ser risíveis. Ternos imensos, para atores pequenos, leão de astracam e uma espanhola, feita por um “ator” que era – no mínimo – para deixar qualquer ator realmente profissional ofendido e pasmo. Além de tudo o ator, na pele da sensual espanhola, tinha posturas corporais e movimentos com a boca que chegavam ao obsceno.
A chamada trilha sonora eram alguns ruídos mal gravados e altíssimos, que eram introduzidos na cena, sem a menor sutileza e uma música gravada sobre a qual a atriz fazia mímica, como se cantasse. Trágico, senhores. Trágico.
Não é possível que estes atores não assistam aos espetáculos em cartaz que resguardam a dignidade do teatro infantil, como OS DIFERENTES do grupo Hombu, ESTAÇÃO DRUMMOND, da Cia. de Teatro Medieval, ROBSON CRUSOE, com Eudardo Rieche, dirigido por João Baptista.
Impossível que não percebam que há algo diferente no mundo do teatro para crianças.
Impossível que não percebam que este teatro que fazem é anacrônico, insulta a classe artística, o pai, o educador e a criança.
Para completar a tarde e mais uma vez percebermos como se trata a criança no teatro, havia na platéia três deficientes mentais, já com bastante idade e que – evidentemente – tinham o comportamento que o elenco propunha e estimulava em seu público infantil, avisando que o personagem foi por ali e não por aqui, aconselhando-o que tomasse cuidado. Assim os realizadores deste teatro infantil vêm seu público. Os deficientes mentais emocionavam pela sua sinceridade, mas acreditamos firmemente que eles estariam muito mais satisfeitos se lhes fosse dado um espetáculo digno como também merecem e não só as crianças. É uma delicada questão, onde a questão da ética e da estética aqui se coloca de forma plena.
O nome de Maria Clara Machado é usado para atrair público a um espetáculo desta natureza e o teatro Cândido Mendes, que já teve seus momentos de glória, precisa preservar ainda o nome da instituição e melhor selecionar seus espetáculos. O espaço também é responsável por estes desastres cênicos, pois, de alguma forma, estar em cartaz no Teatro Cândido Mendes é, ainda, um respaldo de que assistiremos a um bom espetáculo.
E seriamente se pensa – como é possível este tipo de peça sem NENHUMA qualidade estar em cena no Rio de Janeiro, em Ipanema, no Teatro Cândido Mendes? Este espetáculo é uma acinte ao público. Um desrespeito. Na era da comunicação imediata, não conseguimos entender como um grupo de teatro não tomou ainda conhecimento que este teatro é anacrônico, contra-producente, desestimula a ida ao teatro, uma assassinato a ética e à estética, é uma das razões do teatro para crianças estar vazio, cada vez mais, a cada dia que passa.
E mais ainda. Na verdade o teatro reflete como o país trata a criança, a educação, a formação de cidadãos - é apenas um reflexo de algo bem mais grave.
Os pais, embora tentando fazer com que aqueles momentos fossem aproveitados pelos filhos, com certeza têm sensibilidade suficiente para não tornar a levar seus filhos ao teatro para crianças. E este triste registro ficará gravado no inconsciente das crianças que amanhã, com certeza, detestarão teatro.
O público de amanhã está sendo destruído pela péssima qualidade do teatro infantil hoje.
As honrosas exceções e os movimentos pontuais não têm sido suficiente para deter esta escalada destrutiva que assola o teatro para crianças. É desastroso. É triste. É desanimador. É revoltante.
O que fazer? Assistir de braços cruzados a este infanticídio, a este teatricídio a este espectadoricídio? Não sei. Há momentos que parece que a única coisa fazer é bater em retirada.
Mas algo às vezes inexplicável e maior que nós mesmos nos faz permanecer na luta. Até quando?


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 4:00 PM 1 Comentários



segunda-feira, maio 15, 2006


 

LIVROS QUE SÃO OS MEUS



por Luiz Antônio Aguiar



Teatro e literatura caminham paralelos, as vezes se encontram, mesmo tendo cada um sua própria história e suas próprias “regras”.
Encontramos nos textos de Luiz Antônio Aguiar questões sobre o texto e sobre a criação que se aplica totalmente ao que vimos falando sobre o texto teatral.
Na verdade o palco está em busca da magia perdida, das grandes histórias, dos grandes personagens, enfim do que cativa e é razão de ser daquilo que alimenta o imaginário infantil. Em busca dos mundos que habitam esses livros, que habitam as crianças.
Luiz Antônio fala de grandes clássicos, grandes livros, grandes personagens, de magia., de encantamento, de universos encantados e encantadores, que falam ao imaginário da criança, cativa, e é exatamente desta pitada de “magia” que estamos sentindo falta nos palcos cariocas – a invenção, a grande história, o grande personagem. Grande na possibilidade de encantar e de conquistar. Vamos ouvir Luiz Antônio Aguiar.
carlos augusto nazareth

Livros que são os meus

Não tenho a menor idéia de como me caiu na mão, certo dia, meu primeiro Lobato. Também não tenho certeza de qual era, creio que foi Reinações de Narizinho. Taí, pena que a memória não seja que nem aquelas máquinas fotográficas, que imprimem a data na foto. Mas isso não vai fazer falta nenhuma aqui. Até porque não vou precisar começar do meu primeiro Lobato, mas do fundamental. Meu Lobato fundamental é para sempre A Chave do Tamanho.
Lá, querendo acabar com a II Guerra, Emília sobe ao céu num faz-de-conta-que-pirlimpimpim, chega à Casa das Chaves (que ela determinara que tinha de existir), onde estavam as chaves que desligavam e ligavam tudo no mundo, e, querendo desligar a chave da guerra, naquela montoeira de chaves sem etiquetas de identificação, desliga é a chave do tamanho. Ou seja, quem era gente grande, vira pequeno, do tamanho de um polegar, e desmamado do poder do tamanho; quem já era gente pequena, crianças, nunca tendo sido contaminado pelo poder do tamanho, e não precisando dele para sobreviver, toma conta do mundo.
As crianças tomando conta do mundo. Os mais fracos. Os mais desprotegidos. Os que tinham a visão mais bonita sobre o mundo, que incluía fantasias e esperanças... tomando conta do mundo! E ensinando aos bestas dos adultos como deveriam viver! E ainda por cima, todos nus!... que a roupa de ninguém havia encolhido junto com o corpo. Minha nossa, era tudo o que eu poderia querer, era o mundo para onde eu corria, toda vez... O mundo onde as crianças eram donas do mundo.
Algo que tem tudo a ver, é claro, com O menino Maluquinho, de Ziraldo, com aquele personagem tão emiliano, tão peterpaniano, tão legal fazendo sua poesia de texto, invencionices, peraltice e traço, tudo junto, que só poderia mesmo se criar um mundo de seu... no qual ele fosse dono do pedaço. (Porque nele, um dono do mundo, seria discrepante; ele, como Emília, como D.Quixote, seria o avesso e adversário de todos os donos do mundo.)
Reencontrei esse mesmo mundo, do qual valia a pena tomar conta, muitas vezes. Numa delas foi em As aventuras de Tom Sawyer, numa tradução de (!!!) Monteiro Lobato, fazendo par inseparável com As aventuras de Huck. Acariciando agora este livro, editado pela Brasiliense, em 1961, com suas páginas encardidas, me vem à cabeça que, desde que me entendo por gente, ele esteve na estante do meu pai, entre muitos, me esperando. Este livro, aliás, ambos estes livros sabiam que eu iria ao encontro deles um dia.
Tom Sawyer faz tudo que não se queria (os adultos) que ele fizesse (all he' aint funck'not supposed to do). É um peste. Um genial peste, o mais genial da literatura. Mata aula, xinga, cospe, mete-se em brigas, até em feitiçarias (para eliminar verrugas). Tom Sawyer e Huck (cada qual em seu livro) são os protagonistas plenos de seus mundos. Melhor do que sonhar em entrar para a turma do Tom Sawyer, só mesmo seria ser convidado para o Bando de Robin Hood. Pelo próprio. E as duas obras de Mark Twain são também um universo em que o leitor-criança (ou jovem) se sente dono do mundo. Pedir mais o quê? A caverna onde Tom e a linda Becky ficam presos, e na qual está preso também o terrível assassino, índio Joe, para mim será para sempre o antro mais assustador e colossal no qual já penetrei, e ao mesmo tempo a aventura romântica que eu mais quis viver (e escrever), de todas as que já aconteceram em minha vida. Assim também, a cena em que Huck (já aqui em seu livro) vê passarem os cadáveres dos adolescentes, seus amigos, arrastados pelo rio, depois de baleados em uma guerra de famílias, será o momento mais doloroso que já vivi ¾ aquele em que a gente, criança ainda, querendo muito do mundo, tem de, com suas forças e poder de compreensão, entender-se no meio de algo trágico demais, adulto demais, mas que nos pega feito onda-caixote estourando em cima da gente. E a gente estava de costas.
Aliás, para mim, é disso mesmo que fala Meu amigo pintor, de Lygia Bojunga Nunes. O amigo do garoto de oito anos, suicida-se. Ele era pintor. Os adultos não querem falar a respeito. O garoto precisa reentender-se num mundo onde uma coisa dessas pode acontecer. Onde uma coisa dessas é uma possibilidade. Nesse mundo, que é o mundo do garoto ¾ seu prédio, seu amigo ¾ , um amigo pode se matar. E ele tem de se entender com isso, que nem a gente quando é adulto entende (daí a falta de saber o que fazer e o que fazer; daí o não fazer nada e acoitar-se da família do menino). Ele tem de continuar vivendo, num mundo onde isso acontece.
O meu amigo pintor me deixou em estado de choque. Eu tive, também, que passar um tempo para digerir o que havia lido. Então, era assim? Jogo bruto? Pegar um problemão existencial, um problema lá de dentro d'alma, jogar uma criança no meio do fogo e ver como ela se vai virar? Mas era uma outra maneira de pôr o leitor-criança no centro da história, não era? De eliminar tutelas que estão ali para evitar confrontos, diluir perigos, paixões e experiências... não é? Ou para dar explicações fáceis... Como se adulto tivesse uma explicação fácil a dar, sempre? Como se fosse fácil explicar só porque seria para explicar para uma criança...!
(Assistir à dor de uma criança não é fácil. Que o diga quem leu as novelas da Condessa de Ségur, O Patinho Feio, ou Dickens.)
E não é à toa que me lembrei tanto de Lobato, Twain, Ziraldo e Lygia quando li, mais recentemente, dois livros: Deus me livre, de Rosa Amanda Strausz, e Na marca do Pênalti, de Leo Cunha.
Em Deus me livre, as crianças fazem um pouco mais do que tomar conta do mundo. Elas tomam conta da Criação. Júnior e Deusinha chegam ao ponto de sair avaliando, como se fosse um trabalho de casa de Deus, os feitos da Obra Divina. Quando Deusinha começa a criticar o pinto, ou seja, o artefato sexual masculino, invenção (imperfeita) de Deus-Pai, ainda mais considerando o projeto funcional do apêndice, ou seja, como iria ele entrar em operação, trata-se de um dos mais engraçados e irreverentes momentos da Literatura Infantil dos últimos tempos. Júnior e Deusinha são da linhagem honorável dos pestes, e a dignificam pestemente.
Em Na Marca do Pênalti, o não-politicamente é uma das marcas da autonomia dos personagens em relação ao mundo adulto e suas regras. E também a afirmação da necessidade, própria de qualquer ser, de amealhar sua própria experiência de vida, sem dar ouvidos aos apitos do juiz. Falam-se palavrões; a garotada, uns são bonzinhos, outros não, outros lá e cá, dependendo da situação. Não se leva muito a sério os adultos, todo poder aos adolescentes, e, com um drible deste livro futebolístico, Leo Cunha engana o leitor, numa peripécia anunciada: a todo momento ele avisa que futebol é uma caixinha de surpresas. E o livro esbanja trivelas e gingas de deliciar os olhos. Bela montagem! Enfim, com personagens que qualquer um gostaria de ter como amigo ou namorar (nada mais chato do que um modelo de bom-comportamento; esses ninguém quer nem ter como amigo, nem namorada), Leo arma um saboroso enredo, no qual todo mundo também gosta de entrar. Dá saudades, quando termina!
Leo e Rosa são desses escritores cujo texto conta a história. Há livros nos quais o texto briga com a história o tempo todo. Não sei formular isso conceitualmente, ainda, e não sei se um dia vou saber. Mas a primeira coisa que eu gosto num livro é quando sinto que o texto, de fato, é um contador da história.
Daí, tenho de passar necessariamente a Indez, de Bartolomeu Campos de Queirós. Não por afinidades maiores, mas por espírito da coisa. Sei que li Indez muito antes de ler Leo e Rosa Amanda, mas eu o coloco aqui porque foi, acho, por ler Indez, que um dia fui ler Leo e Rosa Amanda. Porque, para mim, Indez foi a primeira vez em que vi um texto, num livro de memórias de criança (Gozado; três-quintos de D. Casmurro é sobre um amor juvenil, e nunca ninguém enxerga esse seu lado juvenil; por que será?), carregar a pessoa mesmo a contragosto para dentro de si mesma. A chorar por dentro, de uma tristeza que a gente nem sabia que tinha. Um texto literariamente potentíssimo, num livro que é a visão de uma criança do mundo, sendo revista por um adulto seduzido pela visão que em criança tinha daquele mundo. O adulto, por meio do lirismo, tentando resgatar seu poder infantil de ver o mundo.
Indez é uma nostalgia universal que todo mundo guarda dentro de si como se fosse um ovo... no caso um ovo em ninho alheio, rejeitado, recolhido, órfão, deslocado, procurando seu lugar no mundo, que ganha vida, então, da memória, que ela é quem nos faz levitar, nesta leitura, do presente. Indez é mágico: um portal do tempo, um tapete voador, um UFO transdimensional, um Aleph. As palavras de Bartolomeu constróem um mundo diferente. Um mundo de tanto afeto pela dor de recordar que só pode ser infantil, no que reconquista o tempo, mercê da memória, não-perdido. Juro que vi tudo isso lá!
Onde que eu peguei essa mania de amar os livros que me transportavam para outros mundos? Foi de ter sido alfabetizado nas Mil e uma noites? Foi depois em Malba Tahan? Ou, bem, acho que foi de ler o seguinte: "Foram despertar na Ilha de Creta, onde logo descobriram o labirinto. Era um palácio imenso, com mil corredores dispostos de tal maneira que quem entrava nunca mais conseguia sair ¾ acabava devorado pelo monstro. O 'Minotauro' só comia carne humana."
Sim, claro, O Minotauro, de Lobato... que eu também reencontrei em Duula, a mulher canibal, de Rogério Andrade Barbosa, uma lenda africana, matriz dos contos de fada, em que um casal de crianças cai nas garras de uma monstra das savanas. Dessa mulher-de-todos-os-pesadelos (que é também todas as bruxas, todos os monstros de todas as histórias, quanto mais acentuada, em sua animalidade, em sua bestialidade, pelas ilustrações de Graça Lima), leio que não há que se poupar a criança, mas sim expô-la, em literatura, a uma brutalidade que pode não ser tão cruel nem incompreensível (para ela) como o suicídio de um amigo, mas mesmo assim é... o quê? ... É isto: "Quem já a viu de perto, e teve sorte de escapar com vida, diz que ela corre mais rápido do que um leopardo. Quando dispara no encalço de novas vítimas, seus enormes pés emitem um som semelhante ao de uma tempestade, ao mesmo tempo que sua cabeleira, desgrenhada e suja, jogada para trás, igual a crina de um cavalo de corrida, balança alucinadamente ao sabor do vento (...) O hábito de roer ossos humanos fez com que seus dentes crescessem feito presas de um lobo. Além disso, carrega uma longa e afiada adaga, com a qual degola e retalha o corpo dos que caem em suas mãos".
Em Duula, não se poupa a criança-leitora do horror, nem mesmo daquele que é praticado pelas próprias crianças-personagens (como em João e Maria e sem a desculpa de Brás Cubas e de Drácula, o de Bram Stocker, de que o demônio seja inumano). Aliás, à criança-leitora não se deve poupar, nem a dor, nem o horror, nem a paixão extremada.
É disso que são feitos os livros, não é? Desses sentimentos estranhos que brotam entre o leitor e as páginas. Este segredo de ele entrar na história como quem penetra no quarto em que lhe disseram, lhe avisaram, lhe ameaçaram: "Jamais abra esta porta, senão...! ". E ele abre, abriu sempre, e sabe que voltará a abrir... o livro: Abra-te, Sésamo. E ele pronuncia o encanto, quase já com medo, antevendo, querendo ser levado... Livros como estes são, para mim, referência (estética) do que eu quero escrever na vida.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 8:44 PM 0 Comentários



quinta-feira, maio 11, 2006


 

O CONCEITO DE ADEQUAÇÃO



por carlos augusto nazareth



INTRODUÇÃO
Apesar de impregnados pelas representações mentais que costumamos ter acerca da infância, por vezes nos interrogamos sobre a universalidade deste conceito.
A legitimização social da infância constitui uma chave relevante para que possamos constatar uma situação contraditória.
Em nosso sistema econômico é o envolvimento do indivíduo com a produção de bens que acaba caracterizando o grau de atenção que a sociedade é capaz de lhe conferir.
Assim, nos países ocidentais, tanto as crianças quanto os idosos tendem a ser objeto do tratamento discriminatório destinado aos indivíduos não-produtivos.
Situada no âmago dessa ambigüidade, a relação entre o adulto, detentor de um poder assegurado por sua condição de idade e força produtiva e a criança, desprovida dessa prerrogativa, configura-se como uma relação entre desiguais.
Esse é um dos desequilíbrios que está no âmago de uma modalidade (ou gênero, como já preferem alguns) artística recente, cuja origem tem pouco mais do que cinqüenta anos - o teatro voltado a infância e juventude.
A CRIANÇA
O conceito de “criança” se modifica ao longo dos anos. Desde a sociedade primitiva, passando pela Idade Média, onde este conceito de “criança” inexistia e chegando ao dias de hoje, quando, através da Internet, estamos retornando a este estado medieval, pois o “interdito” que caracteriza esta fase do ser humano começa novamente a não vigorar nas relações adulto/criança.
Além desta visão diacrônica, temos outras variantes que alteram este conceito “criança” – um deles são as origens sócio-culturais deste indivíduo.
É claro para todos que uma criança de nove anos criada na lavoura no interior do Brasil não pode se assemelhar a uma criança de nove anos criada no centro do Rio de Janeiro.
E, no Brasil, com a diversidade de situações que este país plural apresenta as possibilidades que este conceito assume, são infinitas.
Portanto temos diferenças temporais, geracionais, geográficas, sociais, econômicas, de grupos sociais, pessoais que tornam este conceito do que seja criança quase individual.
Temos que estar atentos a estas variantes. Claro que conseguimos formar grupos relativamente homogêneos, mas mesmo se levando em conta apenas o Brasil, com esta extensão continental, a diversidade é imensa.
Dentro de um mesmo Município temos realidades totalmente diversas e na maioria das vezes dentro de uma escola há grupos de faixa etária próxima com vivências totalmente diferenciadas.
Desta forma estabelecer o que é destinado a criança e o que não é, recai, com certeza, num ato autoritário, onde geralmente é levado em consideração as convicções de quem determina, mas muito pouco a observação e o estudo do que as crianças realmente são capazes, entendem e desejam.
Quando o criador exerce sua atividade ele tem, com certeza, um público virtual imaginado, para o qual dirige sua criação. Claro que com a diversidade de possibilidades de níveis de leitura que um texto oferece a gama de público que ele pode atingir se amplia.

ADEQUAÇÃO

Como vimos, muitas são as possibilidades e as dificuldades de definirmos este público concreto, entretanto virtual e abstrato.
Um texto literário terá um determinado público e a relação entre este determinado público e este determinado texto se faz através da ADEQUAÇÃO.
Criadores resistem à idéia de que haja um público anterior à criação. Mas de qualquer forma no momento em que esta obra de arte se torna um produto cultural pronto acabado e autônomo, inevitável que aí se pense: a quem interessaria esta obra?
Para um livro, o projeto editorial já define uma faixa etária, a partir de conceitos editoriais já pré-estabelecidos, pela prática e experiência do profissional.
Um espetáculo teatral começa sua vida prática e concreta pela definição de qual o horário que deverá ser exibido, já que temos horários definidos como adultos e infantis, em períodos e dias diferenciados da semana.
Assim, desde a criação até a recepção, por seu público, da obra de arte, temos uma infinidade de variantes que, quando colocadas lado a lado, estabelecem uma relação de ADEQUAÇÃO OU INADEQUAÇÃO.
Portanto, definir padrões para determinar faixas etárias a que se destinam textos literários e espetáculos teatrais cairão sempre numa complexidade tal de variantes que será impossível – abstratamente – se definir que obra seja adequada a este ou aquele público.
O que se tenta estabelecer é a ADEQUAÇÃO obra/receptor – a partir de elementos concretos: da obra realizada e do receptor conhecido.
Em literatura, o adulto, que vai definir qual obra a criança irá ler, tem acesso direto ao livro, o que é um facilitador da sua escolha - se conhecer bem o leitor.
No teatro o adulto só tem acesso a referências sobre a obra, a não ser que vá assisti-la pessoalmente antes da criança – o que deveriam fazer professores e coordenadores de colégios, ao escolher os espetáculos que levarão as suas escolas. E os pais dificilmente têm acesso a este tipo de informação pois os espaços da mídia, destinados aos espetáculos infantis, continuam reduzidos.
O livro, nas escolas, são normalmente escolhidos por razões extra-literárias – adequação ao conteúdo programático, datas comemorativas, belas ilustrações, mas muito poucas vezes pela excelência do texto.
O espetáculo teatral na maioria das vezes a principal referência é a do espetáculo mais próximo da residência ou o que tem um título já conhecido dos pais, o que leva a sérios enganos, pois a maioria das adaptações de clássicos são extremamente deficientes.
ADEQUAÇÃO implica num conhecimento do público a quem vou oferecer meu produto artístico, seja literatura ou teatro, ou qualquer outra forma de expressão artística, sua realidade sócio-econômica, sua vivência.
ADEQUAÇÃO implica num conhecimento da qualidade da obra que vou oferecer a meu público, seja literatura ou teatro, ou qualquer outro forma de expressão artística.
Qualquer definição a priori, será arbitrária e estaremos nos utilizando do “poder” do adulto pra impor nossa vontade e desejo a partir de nossos conceitos sobre o que seja Arte, Belo, Qualidade, Criança e todos os outros conceitos que entram neste “cadinho” de onde tentamos retirar uma atuação efetiva mais próxima da realidade.
ADEQUAÇÃO, portanto, é um trabalho concreto de estudo e conhecimento da obra de arte e do público a quem desejamos oferecer este produto artístico.

Nazareth, Carlos Augusto. Textum, o tecido narrativo. Monografia do Curso de Pós-Graduação em Literatura Infantil da UFF.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 7:57 AM 0 Comentários



terça-feira, maio 02, 2006


 

A ESTRUTURA DRAMATICA


O TEXTO E O ESPETÁCULO


por carlos augusto nazareth



“A arte é a expressão da consciência humana em uma imagem metafórica única”
Susanne Languer

O espetáculo tem origem ritualística e como todo ritual tem a função de manter a tradição, através dos tempos, de seus princípios básicos. Da mesma forma que o texto possa ter sua origem divina, nas tabuas recebidas com os dez mandamentos, o teatro sempre foi a celebração do divino. E como ritual e celebração obedece a uma série de preceitos que o mantêm e constituem sua própria essência.
A essência primeira do teatro seria a possibilidade de mostrar, ao invés da essência da narrativa que é o contar.
O ritual do teatro congrega inúmeras manifestações do ser humano: a dança, o canto, a palavra, o gesto – e assim chegamos a idéia de tecido; inúmeras linguagens que se entrelaçam e criam uma tessitura una.
A DIVERSIDADE E A TRAMA TEATRAL
Partindo do conceito de trama, tecido, urdidura, o espetáculo teatral é um tecido composto da urdiduras, tramas de linguagens diversas: o texto, o ator – corpo, voz, interpretação - cenário, figurino, música, luz. Portanto o espetáculo é feito de idéias e emoções que são mostradas através da corporalidade das diversas narrativas em ação, no sentido de fisicalidade e principalemnte através da ação dramática.
Essas linguagens fomam um todo que tem sentido, código e sintaxe própria. A luz é uma narrativa, o movimento é uma narrativa, o som é uma narrativa, a música é uma narrativa, o ator em movimento é uma narrativa e narrativas que têm significado próprio, códigos próprios. Para que esta expressão emocione e faça pensar é necessário que todas estas linguagens formem um todo único e harmônico.

O TEATRO PARA A INFÂNCIA
Num mundo capitalista onde a terceira idade e a infância são consideradas classes não produtivas e por isto desvalorizadas,muitas vezes as expressões artísticas destinadas a estes segmentos da sociedade também são vistos como menores. Mas esta produção é feita por artistas, conscientes de seu papel e da importância da obra de arte, que se nutre de talento e técnica, para subsistir.

Arte
Definições diversas tentam se acercar do indizível. Será arte todo objeto que possui qualidades artísticas, tendo na estética sua função dominante, dada pela intencionalidade do artista?
Será que existem valores característicos do belo? Hoje, como pensamos Arte e valores estéticos? Qualquer objeto ou atividade pode ser detentora de uma função estética?
Será arte a sensação de prazer que se dá quando estamos diante de uma obra de arte? Prazer este que produz à necessidade de repetição deste estado?
O diretor de teatro Peter Brook disse que a beleza de uma peça de teatro está na qualidade e na perfeição que o público é nela capaz de identificar.
Esta experiência do prazer estético é que provoca o desejo de repetição, ocasionado pela qualidade – e acrescentamos - equilíbrio e unidade. São inúmeras linguagens que se unem para mostrar a história. E por mostrarem, a palavra não é sua matéria prima única. Tudo serve ao objetivo central de encenar um texto - ou uma idéia, um fragmento.
Porém, mais que o suporte, importa o que se tem a dizer ao público. E todos os elementos devem estar a serviço deste objetivo. Esta muliplicidade de elementos atinge a sensibilidade do espectador através de um bombardeio uníssono - não sá à emoção, mas também ao racional - estímulos múltiplos, sendo absorvidos num mesmo momento e ativando, ao mesmo tempo, todas as áreas de percepção.
E o teatro continua discutindo as questões básicas do homem.
Quem sou?
De onde venho?
Para onde vou?
O teatro é ontológico. Fala da própria história do homem e é a única arte que acontece em presença do espectador; ali, naquele momento, naquele lugar você presencia e esta é a grande diferença entre do contar da narrativa.

MIMESIS

A mimesis aristotélica tem que ser, por isso, aqui, melhor entendida. Não se reproduz um fato ou uma ação, se reproduz um estado de espírito. A emoção do teatro se repete todos os dias, se renova, se refaz. Não é uma simples repetição de palavras, ou gestos, uma repetição física. É um resgate de um momento onde a emoção tem que estar presente, ou corre o risco de não ser teatro.
E por tabalhar com a razão e a emoção, com o resgate dos momentos históricos, realistas ou ficcionais, o teatro acaba por questionar o próprio homem e acaba por transformá-lo política e socialmente. Uma obra de arte, que fala do homem, para o próprio homem, que questiona O homem.

A POÉTICA ARISTOTÉLICA

A Poética de Aristóteles é o paradigma primeiro, a partir do qual foram compostas quase todas as poéticas seguintes – exceto na Idade Média que, não conhecendo seu texto, recorria a um seu derivado, a Ars Poética de Horácio.
Como se viu, o conceito de mimesis aristsotélico é complementar de uma concepção gnosiológica da arte e não se confunde com imitação de fatos concretos, mas sim de questões humanas.
O imitar aristotélico das ações é uma criação, pois reconstroi os momentos com a mesma matéria com que foram produzidos - razão e emoção. O imitar o estado do homem e não a ação pura e simples do homem, recria a situação desencadeadora da ação,resgata a emoção presente, que domina o agente da ação e recria o clima da situação dramática em que se deu a ação. Medéia, ao se lamuriar da tragicidade de seu destino, reconstrói este seu trágico destino, através do sentimento que revive. Cria. Recria. Portanto, a mimesis é, para Aristóteles, ativa e criativa e não meramente reprodutora de ação desprovida de sentimento e descontextualizada.
A Poética de Aristóteles continuou a ser desconhecida até o fim da Idade Média. Teve-se conhecimento pleno dela a partir de 1498, através de uma tradução. Só na metade do século XVI as “poéticas” começaram a recorrer decididamente ao modelo aristotélico.

A AÇÃO DRAMÁTICA
Aristóteles, em seu tratado divide a ação dramática em dois tipos: simples e complexa.
A primeira é aquela que apresenta um desenvolvimento continuo, linear; a segunda é ditada por uma série de peripécias – entende-se por peripécia toda mudança de ação no sentido contrário do que está sendo indicado. Algumas dessas peripécias muitas vezes resultam numa “revelação” – o personagem toma consciência de um fato ou informação que mudará irremediavelmente sua história.
Esta revelação pode ser apenas final e de preferência inesperada – que é um dos elementos mais saborosos da ficção. Segundo Margareth Nicolescu, diretora do teatro oficial da Romênia, no Curso para diretores de teatro da América Latina realizado no Brasil - "só há teatro quando se surpreende o espectador" .

“A fábula deve deve compreender uma ação única, que forme um todo coerente e completo em si mesmo, QUE tenha princípio, meio e fim, de modo que seja um perfeito organismo vivo, que possa produzir o prazer o que lhe é peculiar.” Aristóteles

A estrutura da narrativa dramática

A matéria dramático-narrativa mostra uma história, a partir de um ângulo de visão ou foco e vai encadeando as seqüências de uma efabulação, cuja ação é vivida pelos personagens e está situada em determinado espaço, de um determinado tempo e se comunica através do discurso associado a muitas outras narrativas, pretendendo que seja vista e compreendida pelos seus espectadores - e/ou leitores - quando se fala de literatura dramática.
Estudando esta narrativa, Aristóteles apresenta em sua Poética a Lei das Três Unidades, que dominou todo o período do classicismo francês: unidades de tempo, lugar e ação. No entanto as unidades de tempo e lugar, com o passar do tempo, foram postas de lado, restando apenas a UNIDADE DA AÇÃO DRAMÁTICA.

Unidade – o todo do texto dramatúrgico deve formar um só corpo orgânico, com princípio, meio e fim, onde o final esteja atrelado ao meio e o meio ao início, a partir de uma ação dramática.

Ação dramática – é que provém da execução de uma vontade, com a deterninação de cumprir essa intenção.

Teatro, pois, é ação, ação dramática; ação dramática é conflito – em geral uma vontade consciente caminhando determinadamente em direção a seus objetivos.
No teatro dramático, estes são os elementos norteadores da narrativa teatral: Introdução-desenvolvimento-clímax-solução.
O conflito é o cerne de todo texto teatral. Assim a primeira exigência que temos que fazer de um texto teatral é que ele tenha conflitos e que estes conflitos possam ser identificados, que se possa determinar o conflito central, primordial, que vai nos dar a linha mestra do texto.
Num texto dramático, pode haver conflitos variados de toda espécie, mas subordinados a um conflito central.
Cada cena também traz um conflito que nasce, se instala, cresce, aumenta e se resolve. As forças em oposição, as vontades contraditórias, as energias opostas não permanecerão sempre iguais, o conflito crescerá, se intensificará, aumentará, até que atinja seu clímax e um novo momento onde percebemos uma modificação em seus protagonistas e na própria situção inicial proposta.
Portanto, tudo está ligado a tudo e tudo se move num conjunto como o das grandes constelações. Tudo depende de tudo e nada tem sentido tomado isoladamente. Por conseguinte, se aplicarmos esta afirmativa ao drama, tudo numa peça de teatro deve estar inter-relacionado. A peça deve ser um conjunto onde todas as coisas dependem umas das outras.

Um galo sozinho não tece uma manhã,
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito e o lance a a outro;
E de outros galos que com muitos muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

João Cabral de Melo Neto



# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 8:16 PM 2 Comentários
Conteúdo produzido por Carlos Augusto Nazareth - Design por Putz Design