Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

Conteúdo Atualizado Semanalmente



segunda-feira, junho 19, 2006


 

ADEQUAÇÃO





Esta carente, ignorada e disponível virgem,
o público infanto-juvenil

Maria Helena Nazareth

Crianças e jovens não são categorias fixas, mas se referem a estágios do processo de desenvolvimento humnao, um complexo encadeamento bio-sócio-emocional.
As perspectivas da criança, do jovem e do adulto são diferentes e podem ser descirtas de acordo com as várias etapas do desenvolvimento. Cada fase da vida humana tem características próprias. Temos uma história social, uma biológica, uma emocional e uma cognitiva, tudo isto integrado por um amplo processo geral. Do nascimento até a morte passamos por sub-fases cuja riqueza se perde nas simplificações crianças, adolescentes, adultos, velhos.
Como criar um produto artístico para a criança, levando em conta cada fase de desenvolvimento, considerando os aspectos emocionais e cognitivos? Até certo ponto da vida, a criança é atemporal e absoluta – são os bebês.
Quando a criança começa a diferenciar com clareza entre o EU e o mundo real em transformação, seu pensamento egocêntrico começa a articular significante/significado; sua perspectiva é, ao mesmo tempo, mais realista e mais fantástica que a do adulto. Realista porque tem menos certezas, categoriza menos e a memória retém sem esforço, pois ainda é cheda de espaços. E mais fantástica porque as emoções são quase nada filtradas, a espontaneidade inspira perguntas sobre o imperguntável, proporporcionando conteúdos e significados estranhos para o adulto.
À medida em que a subjetividade progride para a definição de um EU diferente de um TU e que, com ele, se relaciona, a fronteira entre real e fantasia se demarca irremediavelmente, criando os espaços interior e exterior e o conhecimento da necessidade de pontes de transição entre eles. Esta transição proporciona o desenvolvimento emocional. Este ser que quase não é mais criança e ainda não é “outra coisa” tem que desempenhar uma diversidade de papéis na arena do seu cotidiano.
O processo cognitivo, que até aqui, tende ao concreto e ao formal, caminha para uma habilidade de abstração cada vez maior, para pensar o próprio pensar, até chegar ao sofisticado munda das emoções adolescentes, ao pensamento simbólico, formação de conceitos, juízos e senso crítico, tudo isto preparando a entrada na vida do adulto jovem ( uma outra categoria?).
Que ninguém pergunte com que idade se delimita cada fase. Só muito ingenuamente se tentaria tal restrição. Porém, sem os prazos de faixa etária, a questão adequação permanece. A quem se destina?
O encontro da obra de arate e seu “consumidor” se dá na superposição das duas áreas lúdicas – de quem produz e de quem consome. Sem esta superposição o encontro não ocorre. Como maximizar a riqueza deste encontro? Que se pesquise, se estude, se instrumentalize, para melhor entender e atender esta ainda ignorada e disponível virgem, o público infanto-juvenil.

Maria Helena Nazareth é Mestre em Psicologia pela Fundação Getúlio Vargas


Entre a cruz e a espada
Eliana Yunes

Quais seriam os critérios para sustentar uma leitura crítica de Leitura Infantil e Juvenil como suporte útil para a seleção de livros para crianças e jovens?
A modernidade trouxe o quase consenso de que o crítico é um leitor cuja obrigação é ter um conhecimento amplo do tema e explicar com clareza a fundamentação de suas opiniões.
Quem seleciona para crianças e jovens não precisa ser um crítico literário, mas deve ter alcançado a condição de leitor crítico. Além disso, dentro da moderníssima teoria da leitura, o leitor tem parte ativa no processo de interpretação, realizando uma interação com a obra, porque o campo de sentido é uma construção entre possíveis, cuja qualidade pode evidentemente diferir pela amplitude e especificidade de visão de cada leitor.
Isto exige que o crítico em literatura infantil seja uma pessoa do mundo, não confinada aos limites de convivência impostos à infância. Precisa, sim, ter familiaridade com leitores-destinatários de Literatura Infanto-Juvenil e com a produção de ontem e hoje, mas sobretudo a devida inserção cultural no contexto social e histórico, conhecendo a produção literária como um todo, obras nacionais e estrangeiras.
As condições mínimas se duplicam para quem avalia livros infantis. O especialista crítico precisa expressar e debater suas idéias com freqüência. Certamente em nosso ponto específico é indispensável que o crítico tenha ampliado, ao invés de estreitar, sua percepção infantil de mundo. E incluir mais poesia, mais aventura, humor sem ironia amarga, pois a criança não está imune à dor, a perdas a perplexidades.
Mas não há como tornar a crítica inteiramente objetiva e impessoal. Ela deve ser responsável, explicitar-se, mas não pode desvencilhar-se de quem a emite. E as opiniões públicas estão aí para serem debatidas com paixão, se preciso, mas com seriedade absoluta, face às limitações, decorrentes da inserção social da obra e do crítico.
A leitura crítica, que sem academicismos todos poderíamos exercer, subscreve as seleções e recomendações. Quando alguém busca um livro de literatura, busca-o para alcançar um prazer, não o prazer morno e ordinário, mas algo que dê arrepios, leve à percepção nova das coisas, amplie a imaginação que lhe dê o sentimento do mundo do homem. Há, pois, que se ler com dois olhos. Bem abertos.
Digamos que com um olho o leitor crítico abre a guarda da recepção e lê ansiosamente, sem estabelcer juízos, quase como a criança que mergulha na história. Com o outro olho, o crítico perscruta o como e o porquê esta obra seduz ou ainda o quê é fonte de prazer para os pequenos leitores. É fundamental, pois, ler com o coração e mente: a partir do emocional e sensível da leitura para uma análise crítica do livro.
Mas quais os critérios de avaliação? As listas às vezes orientam vendas ao invés de leitores, por uma deformação do mercado pobre em leitores.
Mas há algumas coisas que se buscam encontrar nos bons livros, que de formas diversas foram já aqui levantadas. Partindo da qualidade literária, falou-se aque da originalidade da abordagem que surpreende a criança e o crítico; do caráter vital que impele o leitora a colocar-se no lugar do outro, uma empatia que o faça encontrar-se com as personagens da obra e consigo mesmo, no melhor sentido da catarse aristotélica; da verossimilhança que convence o leitor, por mais fantástica que seja a obra e que deve alargar sua percepção do mundo: são alguns dos critérios fundamentais. A moderna teoria da literatura, nos passos da estética da recepção fala dos “vazios” que uma obra deixa à ação do leitor para que este se torne co-autor, partindo de seu próprio horizonte de expectativa da criança é fundamental para que ela possa encontar ressonância de suas questões mais prementes. Podemos no debate levantar outros aspectos onde as dúvidas são maiores que as certezas: com ou sem imagem? Com final feliz, sempre? Questões de gênero, postura do narrador, etc.
No fundo, a obra precisa refletir a articulação de muitos elementos, como em qualquer obra e estabelecer outro critério: o de respeito pela inteligência e sensibilidade infantis.
Em qualquer caso, a obra deve poder ser considerada em diferentes níveis, convidar o leitor “a releitura – uma boa história satisfaz as necessidades mais insuspeitas de quase todo leitor, sem diferenças de idade. O leitor pode não saber se o mundo real é bom, mas a obra se oferece como um distanciamento político e poético para ver o mundo, pois nela coabitam a imaginação e o real. Por isso a leitura literária não deve estar confinada ás elites, como nos séculos passados. Ela é instrumento de libertação pela linguagem.

Eliana Yunes é doutora em lingüística e teoria da literatura e professora da UERJ e da PUC Rio


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domingo, junho 11, 2006


 

AS MAZELAS DO TEATRO INFANTIL



por carlos augusto nazareth



AS MAZELAS DO TEATRO INFANTIL

As mazelas do teatro infantil são muitas. No entanto não são “propriedade”
única do teatro para crianças. O teatro para adultos também não vem tendo uma fase das mais auspiciosas. As comédias leves, de um ou dois atores que fazem sucesso rápido e instantâneo e se vão, como peças de consumo dominam a cena.
Saudades de espetáculos como O último carro, Marat, Marat, O Balcão, de Plínio Marcos.
Saudades dos anos oitenta uma safra com espetáculos como Baal, um momento onde o teatro de diretor esteve em foco. Gerald Thomas e seus polêmicos espetáculos.
Bem vindos os esforços e buscas de uma nova dramaturgia contemporânea brasileira, mas que está apenas em processo.
Portanto o teatro infantil não está só.
Mas o teatro para crianças tem seus problemas específicos, lembrando que estes problemas são, muitas vezes, apenas o reflexo de como o país encara a criança, a educação e a cultura.
A forma de tratar a criança como uma parcela esquecida da sociedade, uma camada não produtiva, no mundo capitalista, como a terceira idade, é histórica e se vê espelhada desde a prostituição infantil, até os menores do tráfico; das crianças sem escolas aos meninos de rua. De um ensino público que já foi modelo de excelência, a um ensino totalmente à deriva, perdido – alunos e professores – sufocados por uma realidade social esmagante, por descaminhos - ou perdidos caminhos - das propostas pedagógicas que tentam - eternamente perdidos em eternamente buscar novos modelos pedagógicos.
Enquanto o professor não tiver em sua profissão o reconhecimento financeiro, em termos de salários, nenhuma proposta pedagógica será eficiente.
O investimento na educação se faz necessário não só em relação aos alunos como em relação à remuneração e à prórpria formação dos professores. Basta o tempo que se dizia que o professor era pago, parte em dinheiro, parte pelo seu “sacerdócio”. Neste selvagem mundo capitalista nada mais mentiroso que esta afirmação, que apenas pretende manter o “status quo”
Livros. Livros didáticos, para-didáticos, livros de ficção, jornais, revistas, não fazem parte do universo destes jovens. E quando falamos “destes jovens” nos referimos aqueles de classe social privilegiada, porque os outros, das classes menos favorecidas, as questões são muito mais básicas.
O livro é caro, não há um projeto de barateamento do livro onde o texto seja o astro principal e não as ilustrações que pretendem ingenuamente concorrer com o mundo visual em que vivemos. O livro tem que oferecer como diferencial exatamente o que não se encontra nos outros meios de comunicação – o ritmo individual respeitado e a valorização do texto, o prazer da viagem solitária, acompanhada apenas pelos personagens ficcionais, que levam a caminhos e descobertas impensáveis.
Bibliotecas poucas, acervos defasados, atendimentos insuficientes. E este segmento – o da literatura infantil – obteve, mesmo assim, grandes avanços em função de um número infinito de projetos que vêm sendo desenvolvidos durante os últimos trinta anos.
E finalmente o teatro infantil.
E ainda perguntam. Por que tanta preocupação com o teatro infantil?
E como, enquanto cidadãos, enquanto pais, enquanto professores, enquanto artistas não nos preocuparmos com a formação integral da criança, incluída aí todas as manifestações artísticas – a literatura, o teatro, a música, as artes plásticas que – mais que comprovadamente – é o que poderá possibilitar um desenvolvimento humano mais adequado, mais amplo, mais perspicaz, mais acurado, mais consciente, mais sensível?
O teatro infantil, num nível mais prático padece, no momento, de todos os males que um doente terminal possa padecer. Aparentemente terminal porque o teatro é interminável, uma das expressões mais densas do homem.
O teatro infantil sofre preconceito não de algumas parcelas da sociedade, mas de quase todas. O próprio ator costuma dizer “comecei no teatro infantil, agora não faço mais”. Quem faz? Qual quer arrivista que tenha a coragem de subir ao palco e apresentar qualquer coisa de qualquer modo de qualquer jeito.
A imprensa abre um espaço mínimo necessário para não ser chamada de preconceituosa, ou de não se preocupar com a formação da criança. Mas teatro que não tem artistas da TV não é notícia. E a notícia é teatro, não é celebridade. A imprensa não cumpre sua função de informar de forma ampla total e irrestrita. De dar referenciais de fácil acesso a seu público, para que ele fique sabendo sobre este universo e do perfil deste universo do teatro e da criança.
Mas não é só o teatro, o livro infantil raramente obtém uma resenha, uma indicação, uma notícia, um comentário. E assim o cinema, a música, as artes de um modo geral. O cinema, apenas os de grande apelo comercial têm espaço. O cinema de qualidade para crianças ainda é um mercado inexplorado, a música luta através de meios alternativos de produção e venda, pois, impossível competir de igual para igual com a música dita comercial.
Não que estas expressões, em qualquer nível não cumpram sua função de divertir. Porém mais além temos que ir. Brecht em seu Pequeno Organón fala sobre isto.

“ Mesmo que distingamos uma forma superior e uma forma inferior de diversão a Arte não se compadece de tal distinção: o que ela ambiciona é poder expandir-se livremente, tanto numa esfera inferior como numa esfera superior – desde que divirta o público com isso.
Mas o teatro [ou qualquer manifestação artística] pode nos proporcionar prazeres fracos (simples) ou prazeres intensos (complexos) Os últimos surgem nas grandes obras... se desenvolvem, atingem seu apogeu; são mais diversificadas e eficazes em poder de intervenção, mais contraditórias e de conseqüências mais decisivas. “ BB


E é em busca deste prazer mais intenso, complexo, com maior poder de intervenção, e de conseqüências mais decisivas que a Arte para a criança precisa buscar, pois é voltada pra um público em formação.
Diversos males atingem o teatro para crianças, desde estes sobre os quais falamos, históricos, políticos, sociais, artísticos, até os problemas, que são deles decorrentes - faltas de verbas públicas suficientes e constantes para que possa haver uma mudança de qualidade eficaz.
Hoje, os palcos dos teatros - por falta de possibilidade daqueles que têm já um trabalho consolidado, pois em algum momento da vida o factual fala mais alto que o ideal – estão tomados por profissionais que têm registro profissional, mas que nos perguntamos – como conseguiram estes registros? Cursos de um mês, com uma montagem final proliferam – e consequentemente os registros pululam e os que se chamam profissionais, não têm sequer, muitas vezes, noção do que seja teatro.
Por outro lado os poucos editais abertos para teatro normalmente concorrem junto com o teatro adulto. Como definir o que é melhor: um texto de Maria Clara Machado com uma equipe técnica de primeira, atores formados pelo Tablado, competentes, ou um texto de Nelson Rodrigues, com uma equipe técnica de primeira, com atores até por vezes formados pelo Tablado também?
É claro a desvantagem que o teatro infantil leva neste tipo de concorrência.
Houve, talvez em 2001/2002 um edital apenas para espetáculos infantis, que talvez viesse suprir a lacuna que a Coca-Cola deixou no mercado, quando patrocinava quinze espetáculos de qualidade por ano. Mas a alegria durou pouco - uma só vez.
Nenhuma ação cultural terá efeito imediato. Cultura não é absolutamente alopática, mas sim homeopática. Só com o decorrer de vários anos com patrocínios, programação cuidadosa dos senhores programadores das casas de espetáculo, crítica não paternalista, prêmios, mídia, projetos de formação de platéia, maior rigor na formação de profissionais do teatro, movimentação cultural com encontros, seminários, palestras estando a classe mobilizada para eles, veiculação de informações na midia poderá, dentro de um médio prazo, começar a resgatar a qualidade que o teatro infantil do Rio de Janeiro já teve.
E tudo isto é verdade para o teatro do lado de cá do túnel. Temos um teatro no Norte Shopping, dois teatro de qualidade na Tijuca – o Ziembinsky e o Sesc Tijuca, atualmente nenhum na região do Flamengo e Catete, Botafogo.
Em Copacabana começam as casas de espetáculos que atendem a classe média e média alta, assim mesmo com muitos deles programando espetáculos de qualidade artística duvidosa, que só afastam o público e isto vai até o Leblon, Barra da Tijuca e ponto final.
E o teatro além do túnel? Aí começa uma outra história.


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segunda-feira, junho 05, 2006


 

Breve História do Teatro de Bonecos



por Cia. Stromboli



Boneco é uma figura humana, animal ou abstrata movimentada manualmente por uma pessoa e não por nenhum meio mecânico autônomo, sendo também conhecidos pelo nome de Títeres. Essa definição ampla abrange uma enorme variedade de gêneros teatrais e a uma grande variedade de figuras, mas não se aplica a determinadas atividades e figuras semelhantes. Uma boneca de brinquedo, por exemplo, não é um títere, e uma menina que brinca com sua boneca como se fosse um bebê de verdade não está fazendo um espetáculo de títeres. Mas se ela colocar o pai e a mãe sentados como uma platéia e fizer a boneca andar pela beira da mesa, agindo como um bebê de verdade, então estará apresentando uma forma rudimentar de teatro de títeres.
Ao que tudo indica, o teatro de títeres existiu em quase todas as civilizações e em quase todas as épocas. Na Europa, há registros escritos já no século V a.C. Os registros escritos de outras civilizações são menos antigos, mas na China, na Índia, em Java e em muitas outras partes do Oriente o teatro de bonecos tem uma tradição tão antiga que é impossível determinar quando começou.
Os indígenas norte-americanos usam tradicionalmente figuras semelhantes a títeres em seus rituais mágicos. São escassos os registros de títeres na África, mas a máscara é traço importante de quase todas as cerimônias mágicas africanas, e é difícil traçar uma linha divisória entre o títere e um ator mascarado, como veremos mais adiante. Pode-se afirmar que o teatro de títeres ou de bonecos surgiu sempre antes do teatro escrito, ou melhor, surgiu antes da própria escrita. O teatro de bonecos é um dos instintos mais antigos da espécie humana.
Características do Teatro de Títeres ou de Bonecos
Há quem afirme que o teatro de bonecos é a forma mais antiga de teatro, que dele é que surgiu a arte dramática. Não há como comprovar nem negar uma afirmação dessas. É pouco provável que todas as formas dramáticas da humanidade tenham sido diretamente inspiradas pelo teatro de bonecos, mas está aprovado que desde tempos muito remotos o teatro de bonecos e o teatro humano se desenvolveram lado a lado, e que muito provavelmente um influenciou o outro.
A origem desses dois tipos de teatro está na magia, nos rituais de fertilidade, no instinto humano de representar aquilo que se deseja que aconteça na realidade. Ao longo do seu desenvolvimento, o teatro de bonecos foi perdendo essa origem mágica, que foi substituída por um maravilhamento infantil ou por teorias mais sofisticadas de arte e drama, mas mesmo para as platéias de hoje o fascínio do teatro de bonecos está mais perto do seu sentido mágico primitivo. Apesar de ter a mesma origem do teatro humano, o teatro de bonecos tem características especiais, que garantiram a sua sobrevivência ao longo de tantos séculos, e conservaram intacto o seu fascínio. O teatro de bonecos não é mais simples de realizar que o teatro humano; na verdade, ele é mais complicado, menos direto e muito mais exigente em termos de tempo e de trabalho. Mas depois de pronto, o espetáculo tem várias vantagens: precisa de menos gente para acontecer e é portátil; um único homem é capaz de levar um teatro completo nas costas e um elenco de títeres sobrevive praticamente para sempre.
O fascínio do teatro de bonecos se encontra em um nível mais profundo. O traço mais marcante de um boneco é que ele é impessoal. Ele é um tipo, não uma personalidade. Isso ele tem em comum com o ator de máscara ou com os atores cuja maquiagem oculta o rosto como uma máscara. Por isso os bonecos têm parentesco com os personagens fixos do teatro grego e do teatro romano, com os personagens mascarados da Commedia dell'Arte renascentista, com o palhaço de circo, com o mascarado de carnaval, com o pajé, com o sacerdote.
Num teatro impessoal, em que não existe a projeção da personalidade do ator, a essência do relacionamento entre o intérprete e o público tem de ser estabelecida por outros meios. A platéia tem de ser mais ativa. O espectador não pode ser mero espectador; ele tem de usar a imaginação para projetar na máscara do ator as emoções do drama. Muitos espectadores de uma peça de bonecos são capazes de jurar que viram mudanças de expressão na cara dos bonecos. Não viram nada, mas estavam tão envolvidos pela emoção da peça que sua imaginação emprestou aos títeres os seus próprios medos, risos, lágrimas.
A comunhão entre o ator e a platéia é o coração e a alma do teatro, e essa comunhão pode se dar de uma maneira muito especial, na verdade muito intensa, quando o ator é um boneco. A impessoalidade dos bonecos apresenta também outras características. Ela produz uma sensação de irrealidade.
Na pantomima tradicional britânica, com suas peças dos bonecos Punch e Judy, por exemplo, ninguém se importa de Punch atirar o Bebê pela janela e espancar Judy até a morte; todo mundo sabe que não é de verdade e morre de rir de coisas que seriam horripilantes se fossem representadas por atores humanos. Dizem os psicólogos que o efeito dessas peças é catártico: o instinto agressivo inato da pessoa é liberado por intermédio dessas figurinhas inanimadas. Os bonecos dão também uma sensação de universalidade. Esse é outro resultado de sua impessoalidade. Um boneco de Carlos Magno em um teatro de títeres da Sicília não é apenas a representação do rei franco do século VIII, mas um símbolo da nobreza real; e o chefe de sua guarda que morre numa emboscada não é apenas um soldadinho derrotado, mas um tipo que representa o heroísmo da cavalaria.
Da mesma forma, no teatro de bonecos da ilha de Java, o gigante grotesco é a personificação do princípio destrutivo, enquanto a esguia figura de um deus é a personificação do princípio construtivo. Nesses casos, o teatro de bonecos revela a sua proximidade com todo o espírito do folclore e da lenda. O títere adquire essas qualidades elementares de impessoalidade, irrealidade e universalidade através das estilizações impostas por suas limitações. É um erro imaginar que quanto mais realista ou natural mais eficiente será o boneco. Na maioria dos casos, o contrário é que é verdadeiro. Um boneco que simplesmente imita a natureza, jamais conseguirá ser igual à natureza; o boneco só se justifica quando acrescenta alguma coisa à natureza - por seleção, por eliminação ou por caricatura.
e altamente especializada.
• Tipos de Bonecos
Existem muitos tipos de bonecos. Cada tipo tem suas características específicas, e exige sua linguagem dramática especial. Certos tipos só se desenvolvem sob determinadas condições culturais e geográficas. Os tipos mais importantes são assim classificados:
FANTOCHES - bonecos de mão ou de luva
Esse tipo possui corpo de tecido, vazio, que o manipulador veste na mão; ele encaixa os dedos na cabeça e nos braços para movimentá-los. A figura é vista só da cintura para cima e geralmente não tem pernas. A cabeça pode ser feita de madeira, papier-maché, ou borracha, as mãos são de madeira ou de feltro. O modo de operação mais comum é usar o dedo indicador para a cabeça, e o polegar e o dedo máximo para os braços. Esse é o típico show de fantoches apresentado ao ar livre por toda a europa.
A vantagem do fantoche ou boneco de mão é a sua agilidade e rapidez; a limitação é seu tamanho reduzido e os movimentos de braços pouco eficientes.
BONECOS DE VARA
São figuras também manipuladas por baixo, mas de tamanho grande, sustentadas por uma vara que atravessa todo o corpo, até a cabeça. Outras varas mais finas podem ser usadas para movimentar as mãos e, se necessário, as pernas. Esse tipo de figura é tradicional nas ilhas indonésias de Java e Bali, onde são chamadas de wayang golek.
Em geral, o boneco de vara é adequado a peças de ritmo lento e solene, mas são muitas as suas potencialidades e grande a sua variedade. Porém é muito exigente quanto ao número de manipulares, exigindo sempre uma pessoa por boneco, e às vezes duas ou três para uma única figura.
MARIONETES OU BONECOS DE FIO
São figuras grandes controladas por cima. Normalmente são movimentadas por cordões ou fios que vão dos membros para uma cruzeta de controle na mão do manipulador. O movimento é feito por meio da inclinação ou oscilação da cruzeta de controle, mas os fios são também puxados um a um quando se deseja um determinado movimento. Uma marionete simples pode chegar a ter nove fios: um em cada perna, um em cada mão, um em cada ombro, um em cada orelha (para mexer a cabeça) e um na base da coluna, para fazer o boneco se inclinar. Efeitos mais detalhados podem exigir o dobro ou o triplo desse número. A manipulação de uma marionete de muitos fios é uma operação complexa que exige grande treinamento.
As marionetes européias são capazes de imitar praticamente todos os movimentos humanos ou de animais. No começo do século XX, porém, chegou-se a um naturalismo tão grande que as marionetes correram o sério risco de se transformar numa forma estéril de arte, sem maiores possibilidades de desenvolvimento. Alguns titeriteiros, começaram a achar que o controle com fios era indireto demais e muito sem firmeza para obter certos efeitos dramáticos, e por isso passaram a utilizar bonecos de vara. Mas nas mãos de um intérprete sensível, a marionete continua sendo a forma mais delicada e mais exigente da arte do teatro de bonecos.
TEATRO DE SOMBRAS
Trata-se de um tipo especial de figura plana, utilizada para projetar sombras em um telão semitransparente. Podem ser recortadas em couro ou qualquer outro material opaco, como nos teatros tradicionais de Java, Bali e da Tailândia, além do tradicional "sombras chinesas" da Europa do século XVIII; nos teatros tradicionais da China, Índia, Turquia e Grécia, e em diversos grupos modernos da Europa, as figuras podem ser recortadas também em couro de peixe ou em outros materiais transparentes.
Elas podem ser operadas por baixo, com varas, como no teatro javanês; com varas que ficam em ângulo reto com a tela, como nos teatros chinês e grego; ou por meio de cordões escondidos atrás dos bonecos como nas sombras chinesas. O teatro de sombras não precisa se limitar a figuras planas. Ele pode lançar mão também de figuras tridimensionais. O teatro de sombras é uma arte de grande delicadeza, e o aspecto incorpóreo dos bonecos de sombra é exemplo eloqüente da força do teatro de títeres como forma artística.
OUTROS TIPOS
Esses cinco tipos não são os únicos. Existem, por exemplo, bonecos manipulados à vista da platéia. Os mais interessantes desse tipo são os bonecos bunraku japoneses, que receberam esse nome em homenagem ao seu criador, um titeriteiro japonês do século XVIII, Uemura Bunrakuken. Essas figuras têm metade ou até três quartos da altura de uma pessoa e podem chegar a exigir três operadores por boneco. O manipulador principal controla os movimentos da cabeça usando um sistema de fios dentro do corpo do boneco, podendo mexer as sobrancelhas e girar os olhos. Com a outra mão, ele manipula o braço direito da figura; o segundo manipulador se encarrega do braço esquerdo; e o terceiro movimenta as pernas; a coordenação entre esses três artistas exige um treinamento prolongado e rigoroso
Bastante semelhantes, mas muito mais grosseiros são os bonecos de ventríloquo. A ventriloquia, a técnica de falar sem mexer a boca, dando a impressão de que a voz vem de outro lugar, não tem nada a ver com o teatro de bonecos. Mas as figuras usadas pelos ventríloquos, com seus ricos movimentos faciais, são títeres em toda a acepção do termo. Essa técnica, em que um ator humano carrega seu boneco no palco e conversa com ele vem sendo muito desenvolvida em alguns grupos de teatro experimental. O ator às vezes fica invisível, usando técnicas de "teatro negro" (roupa preta sobre fundo preto, com iluminação que mostra só o boneco), mas muitas vezes o operador fica inteiramente visível.
Há formas menores de teatro de bonecos, como o boneco de dedo, que o manipulador veste na mão, usando dois dedos para fazer as pernas. Ou o tipo ainda mais simples, cilíndrico e oco, que o operador enfia nos dedos. As figuras gigantescas que desfilam pelas ruas em certas festividades européias e americanas também são uma espécie de títere, embora não representem nenhuma história. O mesmo se pode dizer dos dragões das festas de rua chinesas, encontrados também em certas regiões da Europa, como Tarascon, na França. Na verdade, sempre que um homem se esconde dentro de uma figura ou máscara, pode-se falar de títeres, ou bonecos. Muitos grupos de teatro de bonecos da Polônia hoje apresentam peças com atores mascarados. O grupo norte-americano Bread and Puppet é outro exemplo dessa tendência.
A separação entre atores humanos e bonecos fica cada vez mais tênue. No passado, muitos bonecos tentavam aparentar e agir como seres humanos, mas hoje em dia muitos atores humanos tentam aparentar e agir como bonecos. Atualmente, o teatro de títeres não é mais considerado apenas como um gênero dramático específico, mas como uma manifestação legítima do teatro total.
OS TÍTERES NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
No mundo de hoje o teatro de bonecos enfrenta grandes dificuldades, ao lado de grandes oportunidades. As platéias dos espetáculos folclóricos tradicionais praticamente desapareceram. Os espetáculos de Punch e Judy das cidades praianas da Inglaterra e o Guignol que se apresenta nos parques de Paris ainda atraem multidões, mas os teatros fechados, que antes atraíam platéias mais humildes, hoje sobrevivem com dificuldade, geralmente contando com o apoio de um conselho municipal ou museu local.
O teatro de bonecos é cada vez mais considerado uma atividade voltada para as crianças. Trata-se, sem dúvida, de uma linguagem que entusiasma as crianças, e, na história geral do teatro infantil, o teatro de bonecos tem papel importante. Alguns grupos se contentam em representar apenas para crianças. Mas outros desejam produzir também para uma platéia adulta. Que tende a não se interessar por bonecos. No Ocidente, nenhum grupo consegue sobreviver com um repertório exclusivamente adulto.
Mesmo as companhias que fazem espetáculos para crianças enfrentam grandes dificuldades econômicas devido ao número reduzido de espectadores que pode ser atingido nas apresentações de bonecos e ao baixo preço que se tem de cobrar pelo ingresso das crianças. Se algumas companhias continuam apresentando espetáculos de qualidade é por dedicação à arte.
Bonecos no Brasil
No Brasil existe uma grande variedade de tipos de bonecos, na região Sul há grupos tradicionais, no Nordeste há manifestações folclóricas como os bonecos gigantes de carnaval e o teatro de mamulengos.
A Cia. Trucks, trabalha com bonecos de espuma que as vezes exigem três manipuladores por boneco, a Cia. Caixa de Imagens criou espetáculos miniaturizados que só podem ser vistos por uma pessoa por vez, o famoso grupo Giramundo, produziu uma enorme variedade de tipos de bonecos, e muitos outros grupos pesquisam e enriquecem a arte do teatro de bonecos no Brasil.
Mamulengo é o nome dado ao teatro de bonecos em Pernambuco, uma brincadeira com mão molenga. As histórias feitas com mamulengos são quase sempre improvisadas, vão tomando forma na mão do mestre durante o espetáculo. As Trapaças de Benedito, de Manuel Amendoim, Simão e o Boi Pintadinho, de Mestre Valdeck, entre muitas outras histórias são exemplos de peças desse tipo, que sempre terminam em pancadaria. Há muita dança e música, sempre ao vivo. Um espetáculo pode contar com a ajuda de um contramestre, nas cenas com muitos bonecos. Os espetáculos normalmente são feitos em festas na rua e portanto os bonecos e cenários, chamados barraca, torda, empanada ou tenda, são dobráveis e fáceis de transportar. A cabeça do Mamulengo é entalhada no mulungu, uma madeira leve e resistente e o corpo é feito com tecidos estampados e de cores fortes. Na mala portátil de um mestre, sempre existe um boi, uma cobra, um herói (Benedito), sua namorada, um capitão ou coronel, um padre e um diabo, personagens típicos de todo teatro de mamulengos, é um estilo de teatro muito espontâneo e ativador do processo criativo.


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