Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

Conteúdo Atualizado Semanalmente



terça-feira, dezembro 12, 2006


 

O TEATRO INFANTIL


NA CENA DO MUNDO


por carlos augusto nazareth



O que identifica o Teatro Infantil como Obra de Arte, contribuindo, assim, para a formação do indivíduo e o que o desqualifica, enquanto força expressiva, com conseqüências danosas para a formação da criança?
Na atualidade, o seguimento da arte, chamado Teatro Infantil, está estruturado ou engessado em uma série interminável de palavras, que nomeiam, de forma vaga e por vezes equivocada, o universo do Teatro Infantil.
Faz-se cada vez mais necessário a necessidade de um estudo aprofundado desta expressão artística tão importante na construção do individuo.
Neste cenário muitas correntes se recusam a usar este termo - Teatro Infantil - por sua conotação pejorativa de coisa menor, teatro este que tem uma história que precisa ser discutida, o que já justificaria esta proposta de estudo.
Neste instante também se coloca uma questão fundamental: por que não se discute o Teatro Infantil nas escolas de formação do educador e a nas escolas de formação do ator? Nenhuma Faculdade de pedagogia ou de formação de professores inclui este tema em seu currículo..
A história do Teatro Infantil teve um início catequético e jesuítico; começou com o Padre Anchieta e o Padre Manoel da Nóbrega, que o utilizavam como forma auxiliar, didática e pedagógica, de catequese dos gentios.
Da mesma forma que não possuíamos uma Literatura Infantil, genuinamente brasileira, só iniciada com Lobato, os textos do Teatro Infantil eram adaptações de obras européias carregadas do moralismo vigente na época.
Portanto o teatro infantil tem seu berço aqui no Ocidente, na moral judaico-cristã, no didatismo e na moral européia e este quadro só começa a mudar com o início oficial do Teatro Infantil profissional no Brasil.
Alguns momentos da história do teatro infantil na atualidade
Diante do sucesso de seus textos, Maria Clara Machado funda O Tablado e vai ao longo de cinqüenta anos estruturando uma dramaturgia voltada para o público infantil.
Depois de Maria Clara Machado Ilo Krugli, um argentino, com o espetáculo “História de Lenços e Ventos”, revoluciona a linguagem do teatro infantil. “História de Lenços e Ventos” é considerado um marco na história do Teatro Infantil, por Ana Maria Machado, na época crítica de teatro infantil do Jornal do Brasil. Maria Clara Machado foi uma das construtoras da identidade dramatúrgica do Teatro Infantil e Ilo renova e reconstrói os conceitos de encenação.
O teatro certamente não está distante do contexto sócio-político-social já pelo seu próprio significado: teatro - lugar de ver; ver o mundo, se ver no mundo, se perceber, perceber o outro e a sua relação com o outro. O teatro infantil, como está inserido no contexto do Teatro, também não pode estar afastado deste tecido sócio-político.
Porém o Teatro Infantil contém dualidades difíceis de serem entendidas e equacionadas. A estrutura do teatro infantil é a mesma do teatro adulto? Os temas que interessam à criança são os mesmos que interessam ao adulto? Em teatro infantil é fundamental que se defina o receptor da Obra de Arte, sua faixa etária, diferenças sociais, regionais e econômicas? Alguns teóricos levantam a hipótese que o Teatro Infantil, assim como a Literatura Infantil, seriam formas de expressões autônomas, gêneros diversos do Teatro e da Literatura, mesmo depois da implosão dos gêneros literários. O teatro infantil trabalha de forma mais livre o limite entre o real e o imaginário?
A questão é saber até que ponto o Teatro Infantil, que se pratica há trinta anos no Ocidente, pode ser considerado Teatro, enquanto Obra de Arte, que constrói e reconstrói o indivíduo.
A importância destas discussões podem implicar numa mudança da forma de lidar com a arte dramática desenvolvida para a criança, abrir uma perspectiva diferenciada de tratamento desta expressão artística
Os mediadores percebem hoje o Teatro Infantil como uma forma de expressão artística, suficiente em si mesmo para cumprir a sua função, enquanto Arte, e não um sistema pedagógico auxiliar ?
Estas questões próprias do Teatro se associam a outras questões como o “sentimento de criança que só surge na modernidade” Cohn (2005), às próprias questões da filosofia da arte, da antropologia da criança, do desenvolvimento da criança, à luz da psicologia e da pedagogia.
O teatro e principalmente o Teatro Infantil, na maioria das vezes, se consubstancia através da práxis. Os realizadores do Teatro Infantil têm poucas possibilidades para refletir sobre a sua prática, pois a bibliografia existente é falha e precária dificultando o embasamento teórico para que se possa refletir e discutir o fazer artístico e as inúmeras questões que envolvem esta expressão artística.
Abrir um espaço maior para reflexão e questionamento sobre o Teatro Infantil é um ato “novo”, que propõe uma discussão renovada, que propõe uma investigação, não só do próprio Teatro, como de toda a expressão artística voltada para a criança, inserida no conjunto maior da Arte.
REFERÊNCIAS TEÓRICAS
Aristóteles foi o primeiro a examinar e explicitar a estrutura narrativa, a partir das tragédias gregas, onde conceitos básicos como os da mimesis, deixa claro que a imitação é a das paixões que movem o homem e não das ações simplesmente, o que modifica completamente o entendimento corrente deste conceito, alterando o entendimento raso da função da catarsis, onde, através da identificação com a trama e seus personagens, o espectador seria capaz apenas de expressar, colocar para fora, seus sentimentos.
Mas sabemos que sua função vai além, permitindo que o espectador repense seu estar no mundo, sua relação com o mundo e com o outro e que desenvolva este raciocínio e que elabore estes sentimentos, através da trama que evolui e que tem, necessariamente, para ser teatro, um conflito – que o coloca frontalmente diante das questões humanas.
Ele viverá este conflito até chegar ao seu clímax e encontrar a solução dramática da premissa desenvolvida e esta vivência vai permitir que ele “viva” ou “reviva” situações e emoções, pense, sinta e reflita sobre si mesmo e sobre o mundo, pois o teatro mostra, enquanto a narrativa épica conta. É a expressão viva aqui e agora de uma situação que tem relação direta com as vivências dos espectadores.
Seguem-se os conceitos de Hegel que continuam a explicitar, posteriormente, os conceitos de conflito, paixões e caracteres que caminham até o desenlace final, essenciais à caminhada da poesia dramática, onde os acontecimentos nascem da vontade interior o do caráter do personagem e a ação é a vontade humana que persegue seus objetivos, consciente desta trajetória.
Hegel afirma que a ação dramática é a ação de um personagem que vai em busca dos seus objetivos, consciente do que quer e reafirma que o drama “reúne em si a objetividade da epopéia com o princípio subjetivo da lírica”
O Teatro Infantil corre o risco de se afastar da história da encenação teatral ?Até que ponto o Teatro Infantil corre o risco de se afastar do Teatro e sua história, podendo deixar de ser chamado Teatro?
Os mestres do teatro deram, cada um deles, sua contribuição para o entendimento do fenômeno teatral, como expressão do humano, como um questionamento das questões básicas do homem.
Começando pelas tragédias gregas e o tratamento que dá às paixões humanas, temos, na modernidade, os mestres do teatro, que acompanham o desenvolvimento do teatro como expressão do humano, afinado com o seu tempo.
De iníco, o textocentrismo predominava, quando o autor era “dono” do significado. Posteriormente, Antonin Artaud (1938) fala em seu livro O teatro e seu duplo, onde não se cansa de afirmar a importância das outras linguagens, que não o texto, como a luz e lamenta a mediocridade com que os palcos de seu tempo exploram esses recursos. E seguem os mestres do teatro a analisar, estudar, refletir sobre o fenômeno teatral.
Se este é o percurso do Teatro, quando olhamos para o Teatro Infantil parece que não participa da mesma história de construção do Teatro. Evidentemente a arte da encenação está sujeita às pressões econômicas, sociológicas e sua evolução sofre um peculiar atraso e sua história parece feita de fases repetitivas. Se isto ocorre no teatro dito adulto, no teatro dito infantil. Esta questão o atinge de tal forma que seria capaz de abafá-lo e sufocá-lo, enquanto Arte?
A falta de conhecimento dos conceitos dos mestres do teatro como Aristóteles Hegel Antonin Artaud (1983) Eugênio Barba Meyerhold (1963) levam muitas vezes os realizadores do teatro infantil, a chamar em defesa de sua criação estes mestres, como co-participantes da conceituação por eles proposta.
Bertolt Brecht (1963) a toda hora é chamado a dar seu depoimento sobre a validade do teatro didático, talvez evidenciando uma falta de conhecimento do que seja o teatro didático de Brecht – didático porque o famoso afastamento brechtiniano permite que a compreensão do todo do espetáculo teatral não fique imerso totalmente na emoção e abrindo espaço para a reflexão e daí o aprendizado e daí o didático, completamente diferente do ensinar a que muitas vezes se propõe o Teatro Infantil, hoje e sempre talvez. Muito pelo contrário, o teatro didático de Brecht, assim se chama, porque ajudar o homem a se perceber no mundo e a tirar conclusões por si mesmo – não dita normas. Em seu Estudo sobre teatro, Brecht (1963) diz – “o teatro não foi feito para ensinar”.
Enquanto o teatro infantil estiver fora das discussões acadêmicas, dificilmente ele conseguirá atingir um status de Arte Maior. Não se estaria fazendo o hoje um teatro infantil dissociado das teorias do teatro, dos ensinamentos e estudos desenvolvidos por todos aqueles que construíram uma teoria da encenação teatral e estudaram sua função e influência junto ao público?
Por outro lado, o estudo da evolução da criança, o surgimento do sentimento de infância na modernidade e suas mudanças através dos tempos, associado ao estudo do desenvolvimento da criança, passando por Piaget buscar o entendimento do processo artístico e da origem da arte, tomando por base Durand ,Kant Heidegger e as ,teorias sobre Antropologia da Criança (Cohn, 2005), precisam estar presentes também neste amplo quadro, pois trabalhamos com Arte, com Teatro e com Criança, dentro de um percurso de desenvolvimento histórico e social que associa inúmeros campos do conhecimento, relações interdisciplinares.
Até que ponto estas questões afastam o teatro infantil do Teatro e a criança do teatro inmfantil? Que tipo de influência negativa pode exercer um Teatro Infantil equivocado?
Qual o papel atual do Teatro Infantil na formação do ser humano, na modernidade?
Aí ficam questões.

REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
BRECHT, Bertold. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1963.
CAMAROTTI, Marco. A linguagem no teatro infantil.2 ed.Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2002.
COHN, Clarice. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
DUFRENE, Mikel. A estética e a ciência da arte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982.
FREITAS, Marcos Cezar (org.) História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003.
GALEFFI, Romano. Fundamentos da Criação Artística. São Paulo: Melhoramentos, 1977.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3 ed. São Paulo : Atlas, 1991.
KUHNER, Maria Helena (org.).O teatro dito infantil. Blumenau: Cultua em Movimento, 2003
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de A. Fundamentos de Metodologia Científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.
OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
PALLOTINI, Renata. Introdução à Dramaturgia. São Paulo: Ática, 1988.
ROUBINE, Jean Jacques. A Linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 11:49 AM 3 Comentários



terça-feira, dezembro 05, 2006


 

TEATRO POPULAR - TEATRO INFANTIL



por maria helena kühner



PARTE II
O que leva a perceber a seriedade desse brinquedo, que Freud já assinalou ser uma de suas características mais importantes. Ou que Bruno Bettelheim sublinhou igualmente ao falar dos contos de fadas, lembrando que é a "perplexidade existencial" da criança que se refere nessa fabulação: "Para dominar os problemas psicológicos do crescimento – superar decepções narcisistas, dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar as dependências infantis, obter um sentimento de individualidade e de auto-valorização e um sentido de obrigação moral – a criança necessita entender o que está se passando dentro do seu eu inconsciente. Ela pode atingir essa compreensão e com isso a habilidade de lidar com as coisas, não através da compreensão racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas familiarizando-se com ele através de fantasias e devaneios prolongados – ruminando, reorganizando e fantasiando sobre elementos adequados de uma história que responda a pressões inconscientes. Com isso a criança adeqüa o conteúdo inconsciente às fantasias inconscientes, o que a capacita a lidar com esse conteúdo".
O que evidencia que esse exercício do corpo, da inteligência e/ou da fantasia não é tão gratuito quanto à primeira vista parece ou quanto o julga a pseudo-seriedade da cultura "erudita" e "adulta". Detendo-nos um pouco mais sobre ele vemos que a potência dessa fabulação coloca-se a serviço de necessidades e desejos. Ou seja, da realização do desejo seria outra importante característica comum às brincadeiras ou jogos infantis e populares. Daí terem estes com freqüência algo de teatral, de um teatro com ou sem espectadores, de que a criança ou homem do povo é, ao mesmo tempo, diretor e ator e seu desejo o alicerce das regras do jogo. Pois, como enfatizou Freud, aí encontram "um meio de desenvolver uma energia que não pode ser usada na realidade, ocasião de viver outras situações em que as proibições são suspensas e os papéis distribuídos de maneira diferente".
Dessa busca de realização do desejo não na satisfação alucinatória, mas sim na lúdica ou ritual, decorrem outros denominadores comuns: se no caso da criança, cujas motivações são regidas pelo princípio do prazer, o brinquedo faz parte da rotina, o mesmo não acontece com o brincante adulto, cujas brincadeiras ou folguedos são exatamente ocasião de suspender a rotina e fazer com que o princípio da realidade, sob o qual pauta obrigatoriamente seus comportamentos no cotidiano, ceda lugar ao princípio do prazer – o jogar, o brincar, a alegria, a soltura, que fazem dos palhaços figuras emblemáticas – e assim abra espaço ao irreal, ao imaginário, ao sonho (como no lírico Sonho de Natanael), à troca de papéis (em que o Marinheiro Marinho pode até mudar a atitude do seu Comandante), ao jogo de possíveis, em que tudo pode acontecer – até vencer o Diabo ou transformar uma "megera" em afável companheira... E, para o personagem que aí age, expressa-se, neste possível, o que ele pode, o seu poder: É essa linha fronteiriça entre o real e o irreal, que dá ambivalência do lúdico – ambivalência essa bastante incômoda para o pensamento racional que se organiza apenas sobre o princípio da realidade e que não admite em si as ambigüidades e o jogo de possíveis do imaginário, jogo em que se projetam os desejos: o desejo da troca de papéis, dando vez e voz, lugar central na cena àqueles que no dia-a-dia da realidade estão sempre relegados a segundo plano.
Esse e outros desejos – a necessidade de fuga de uma realidade repressiva, o desejo de uma vida outra, que faz sonhar com outros possíveis, com que poderia acontecer (O Sonho de Natanael é um exemplo comovido e comovente), a vontade de ser reconhecido e valorizado vão formando o pano de fundo daquela brincadeira, Daí sua seriedade: o ator ou brincante, seja ele adulto ou criança, instala-se no irreal, no lúdico e produz algo que não faz parte do real cotidiano, que pode não "espelhar" a realidade externa ou uma atividade a ela. O que não significa que aí não se expresse uma outra realidade, interna, profunda, que é a sua maneira de sentir e viver a realidade em que se insere: profunda porque o que se passa na cena pode não ser "verdade" (?...), ser apenas "faz-de-conta", "brincadeira", mas o mundo aí colocado é "real" para os personagens que o vivem. Não é este, aliás, o paradoxo mesmo do jogo teatral, que "finge" ou "mente" para melhor dizer a verdade, em que através da máscara teatral do personagem se revela o eu mais profundo dos próprios seres humanos?
A brincadeira é fingimento, um faz-de-conta que se situa no parecer, não no ser – mas esta aparência tem tal carga e força que o ator / espectador entra no jogo e instala-se no imaginário, é capaz até de "ver" as pulgas que fazem acrobacias no Cirquinho... Naquele momento, desligado do tempo real, cronológico, surge a possibilidade de uma outra vida, de um permanente recomeçar: o Boi Viramundo morreu, mas vai ressuscitar; a nau do Marinheiro Marinho, ou João e Maria na floresta, se perderam, mas vão se salvar... A cada lance tudo recomeça do nada – espera que é típica do jogo teatral, onde se está sempre esperando Godot, o julgamento de um deus, ou dos deuses, o desvendar de uma verdade que fará a tragédia do herói ou dará um final feliz ao drama...
Se tudo é possível, podem aí se projetar todos os sonhos, esperanças, expectativas, ansiedades: nas dramatizações espontâneas populares e infantis, o DESEJO é o diretor da cena; e se o brincante é o ator, isto é, aquele que age, que é sujeito e personagem da ação, é o seu possível, o que ele pode ou o seu poder que aí se expressam.
Daí a ambivalência do lúdico a que nos referimos: em primeiro lugar, a ambivalência de sua ligação com o real. Por um lado é preciso que o real, opressor ou pressionante, seja "desrealizado", para que possa dar-se um fato novo – o surgimento da aparência: o jogo ou brincadeira, ao desligar-se do real e ordenar-se segundo o princípio do prazer permite a expansão do imaginário, passando tudo a ser visto "como se"... É somente quando este parecer substitui o ser que o desejo pode ser apresentado, ou representando, a vida "verdadeira" fica em suspenso, nas mãos dos "deuses" ou do "destino", que brincam com aquele que está brincando.
Daí também a ambivalência de seu sentido para o brincante: por um lado, como assinalamos, essa dramatização reproduz ou simplifica as mesmas interações sociais que se dão no cotidiano – as normas sociais são aí mantidas, desde o pedido de "licença" aos senhores para começar o folguedo, à espera de sua paga em comida ou dinheiro, à organização dos espaços para os assistentes (platéia, palanque, rua, sambódromo etc.) A quebra da rotina é uma quebra consentida, que só se efetua porque garantida a volta à rotina e à ordem que a controla: portanto, embora possa levantar pontos críticos é, em última instância, ideologicamente confirmadora dessa ordem social, de sua estrutura de classes, de suas relações. E, nesse sentido, a brincadeira se torna para a criança ou para o homem do povo, uma aprendizagem da realidade, ou seja, uma maneira possível de organizar ou elaborar suas experiências para situar-se dentro dessa realidade.
Porém a realização do desejo e a abertura para o imaginário são também mais que um momento catártico ou um divertimento: situar-se é também identificar-se, perceber sua identidade, obter uma valorização ou reconhecimento – que pode ser um re-conhecer-se, um "mostrar quem sou", no caso do adulto, ou um responder à pergunta fundamental, "quem sou eu?" de todo brinquedo infantil. Não será este também o sentido dessa auto-afirmação, o re-conhecimento de si mesmo, de sua identidade pessoal e/ou grupal, expresso em sua necessidade de se transformar em "espetáculo" e de nele expressar sua "vitória" num conflito, numa luta, numa aventura ou ação? E não será por todas essas razões que o jogo teatral se torna re-animador, isto é, capaz de, recreando, re-criar uma anima (alma) nova para todos os que dele participam?
O que é válido tanto para o indivíduo quanto para o grupo. E explica porque a brincadeira mais que gratificante, é tão necessária: o homem brinca ou faz jogo porque se sente joguete, brinquedo, e, para deixar de sê-lo, para igualar-se a um "destino" encarnado em "demônios", ou em seres e forças pressionantes e ameaçadoras, busca conjurar a força dos mesmos com a força de seu desejo e a visão reelaborada ou repetida de seu poder e valor.
Daí a pergunta que nos fica: assim como a criança usa seu jogo ou brincadeira para organizar e elaborar suas experiências e assim desenvolver um sentimento de confiança em si que lhe permite obter um crescimento ou transformação real, não seria possível ao homem do povo fazer o mesmo com suas expressões e manifestações? Não seria este um dos caminhos possíveis para uma cidadania capaz de levar a uma sociedade mais igualitária?
.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 5:52 PM 1 Comentários
Conteúdo produzido por Carlos Augusto Nazareth - Design por Putz Design