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sábado, janeiro 13, 2007


 

CIÊNCIA DO IMAGINÁRIO



por Josélia Neves (1)



Reflexões sobre a Ciência do Imaginário e as contribuições de Durand: um olhar iniciante


Este artigo se propõe a construir uma reflexão sobre o imaginário a partir de leituras introdutórias que partem da imaginação, bem como de pesquisas referentes aos trabalhos de Gilbert Durand, particularmente a obra, "A Imaginação Simbólica" - referência de estudos no âmbito da temática posta. Pretendemos sistematizar um estudo inicial através de inferências sobre as representações ou as formas simbólicas presentes nas práticas sociais, relacionando os principais conceitos desta ciência emergente.

A produção deste texto representa um esforço no sentido de compreender a constituição do imaginário. Trata-se portanto de um olhar de uma iniciante, daí a idéia de considerarmos leituras também introdutórias, partindo da imaginação para o imaginário, um percurso textual muito semelhante ao que estamos trilhando cognitivamente para apreender a temática posta.

Nosso trabalho foi no sentido de produzir um texto inicial, com características quase didáticas, que possa contribuir na leitura de quem tem poucas informações sobre o imaginário, e nesta perspectiva, se coloca como ponto de partida para outras leituras sobre a questão.

De acordo com Trindade e Laplatine(1996), a imaginação pode ser compreendida como tudo aquilo que não existe, um mundo oposto à realidade concreta. Refere-se a uma produção de devaneios, de imagens que explicam e permitem a evasão para longe do cotidiano. Para estes autores, a necessidade de entendermos a realidade é no intuito de superá-la e, uma das formas possíveis é através da imaginação, uma vez que possibilita chegarmos ao real e até vislumbrá-lo antes deste se constituir em real.

As sociedades ocidentais utilizam a imagem como forma de conhecimento e comunicação social. Acontece que as imagens padronizadas não conseguiram superar as práticas do imaginário como as narrativas orais, o teatro de rua e outras manifestações neste sentido. Fenômeno este identificado por Durand - fundador do Centro de Pesquisa sobre o Imaginário em Grenoble, 1966, como a civilização da imagem já que produz "efeitos perversos e perigosos que ameaçam a humanidade do sapiens".

Nesta perspectiva, a imagem acaba impondo seu sentido a um espectador passivo pois a imagem "pronta" anestesia aos poucos a criatividade individual da imaginação. Há registros de que Bachelard - pensador-referência do imaginário, dava preferência à imagem literária do que a imagem irônica.

Neste sentido este tipo de imagem, é uma forma de violentação das massas, pois o espectador é orientado pelas atitudes coletivas da propaganda, como por exemplo, a ilustração apresentada por Trindade e Laplatine(1996) como o nivelamento que ocorre com o espectador de TV que engole com a mesma voracidade espetáculos de variedades, discursos presidenciais, receitas de cozinhas e notícias catastróficas ou o mesmo "olho de peixe morto" que contempla as crianças que morrem de fome na Somália, a "purificação étnica" na Bósnia ou o arcebispo de Paris subindo a escadaria da Basílica de Montmartre.

Esta anestesia da criatividade do imaginário e o nivelamento dos valores numa indiferença espetacular, são reforçados pela questão da "fabricação das imagens". A sua distribuição escapa de um responsável, isso permite às manipulações éticas e as "desinformações" por produtores não identificados. A famosa liberdade de informação é substituída por uma total "liberdade de desinformação". Pois a imagem sufoca o imaginário.

O imaginário reconstrói ou transforma o real; funciona como uma imaginação transgressora do presente, refere-se a um possível não realizável no presente, mas que pode vir a ser real no futuro. Ex: Júlio Verne transgrediu através do imaginário quando construiu o possível real do futuro: o submarino que permitia conhecer o mundo em 80 dias. Portanto antes de serem pensadas por cientistas, muitas invenções foram vislumbradas por poetas e escritores. Então, a vida social é impossível fora de uma rede simbólica.

Gilbert Durand, citado por Cemin (1998), entende o Imaginário como "o conjunto das imagens e das relações de imagens que constituem o capital do homo sapiens. De sua coleta de imagens, ele retira uma série de conjuntos constituídos em torno de núcleos organizadores (constelações e arquétipos).

Este filósofo e antropólogo, nasceu em 1º de maio de 1921 em Chambéry, na França. Recebeu forte influência de mestres como: Bachelard, Jung, Lévi-Strauss, entre outros. Graduou-se em Filosofia (1947); doutorou-se em Letras (1959). Fundou (1967) e presidiu o Centro de Pesquisas sobre o Imaginário; dentre vários títulos e ocupações, é professor catedrático na Universidade de Grenoble.

Não se atendo as propostas da "moderna ciência ocidental" baseada no racionalismo cartesiano e no positivismo de Comte, desenvolveu a mitodologia - orientação epistemológica que surge na perspectiva de se constituir numa abordagem científica que leva em conta o elemento espiritual e coletivo na concretude da realidade imediata.

A favor da interdisciplinaridade, opõe-se ao dualismo filosófico que coloca em extremos o materialismo e o subjetivismo; através da teoria que desenvolveu, Durand ratifica a retórica da imagem simbólica e reafirma a dimensão dos arquétipos e a força diretiva dos mitos, pois como ele mesmo já afirmou, o imaginário não é uma simples abstração uma vez que segue regras estruturais da hermenêutica.

Ao longo de 15 anos de trabalho, Durand sistematizou uma classificação dinâmica e estrutural das imagens e propôs uma teoria que considera as configurações constelares de imagens simbólicas, a partir de arquétipos(símbolos universais) - as estruturas antropológicas do imaginário - e também uma metodologia sustentada no "método crítico do mito", daí a mitodologia, que supõe duas formas de análise: a mitocrítica e a mitanálise.

A questão do mito, vista mais como relato fantasioso, emerge com muita vitalidade no pensamento de Durand, pois é visto como o ultimo fundamento teoricamente possível de explicação humana - da operacionalização do conceito de mito, o antropólogo desenvolve a sua mitodologia.

Durand vê o mito como um arranjamento de símbolos e arquétipos que se apresenta através de mitemas2 - discurso este relativo ao ser, onde está investida uma crença que propõe realidades instaurativas.

Para a mitodologia de Durand, o imaginário é a referência última de toda a produção humana através de sua manifestação discursiva, o mito, e defende que o pensamento humano move-se segundo quadros míticos. Ou seja para este autor em todas as épocas ou sociedades existem mitos subjacentes que orientam e modelam a vida humana. O propósito do trabalho do filósofo é justamente desvelar os grandes mitos diretivos, isto é aqueles responsáveis pela dinâmica social ou pelas produções individuais representativas do imaginário cultural, no tempo e no espaço.

Quando um mito diretivo manifesta-se através da redundância, é identificado como mitemas obsessivos - aqueles que se repetem de forma recorrente, através da organização de símbolos (que embora nunca sejam um dado a priori, já que apontam para múltiplos sentidos, através da repetição é possível sua classificação, pois neste caso aponta para um único sentido).

A mitocrítica - termo forjado por Durand em 1970, refere-se a um ensaio metodológico em que foram selecionadas as metáforas obsessivas (grupos de imagens que se repetem) e procura interpretá-las mediante o Mito Pessoal do autor.

A noção de mitocrítica de Durand foi desenvolvida "para significar o emprego de um método de crítica literária, de crítica do discurso que centra o processo de compreensão no relato de caráter mítico inerente à significação de todo e qualquer relato". Ou seja, a mitocrítica precisa de um "texto cultural'; o discurso literário, por exemplo está muito próximo do mito em função da narrativa que apresenta, por isso a linguagem mítica é sempre uma linguagem literária.

Os mitemas constitutivos da narrativa mítica, repetem-se e por isso mesmo tornam-se cada vez mais significativos. Um mitema pode ser um motivo, um tema, um objeto, um cenário mítico, um emblema, uma situação dramática, etc.

A mitocrítica - é um método de crítica de texto literário, de estilo de um conjunto textual de uma época ou de um determinado autor que põe a descoberto um núcleo mítico, uma narrativa fundamentadora e o(s) mito(s) que atua por detrás dela. Ela desvela, um nível de compreensão maior que se alinha com os grandes mitos clássicos.

Durand estabelece três momentos para a identificação dos mitemas e do mito diretivo do "texto cultural":

1º) - um levantamento dos "elementos" que se repetem de forma obsessiva e significativa na narrativa e que são as sincronias míticas da obra;
2º) - um exame do contexto em que aparecem, das situações e da combinatória das situações, personagens e cenários, etc.;
3º) - a apreensão das diferentes lições do mito (diacronia) e das correlações de uma tal lição de um tal mito com as de outros mitos de uma época ou um espaço cultural determinados.

Portanto, o mito vai se definindo a partir da organização de símbolos e de um quorum de mitemas, pois o mitema é um "átomo mítico" de natureza estrutural.

Para Durand, os mitemas podem se manifestar, e semanticamente atuar, de dois modos diferentes:

1º) de modo patente - repetido de forma explícita e de conteúdo homólogo;
2º) de modo latente - repetido de forma implícita, pela intencionalidade.

Então, de acordo com o pai da mitocrítica, ela "evidencia, num autor, na obra de uma época e dum meio dados, os mitos diretivos, regentes, e suas transformações significativas. Possibilita mostrar como tal traço de caráter pessoal do autor contribui para a transformação da mitologia epocal dominante ou, ao contrário, acentua tal ou tal mito instituído. Mostra também que cada momento cultural tem certa densidade mítica onde se combinam e se embatem(...) mitos diferentes.

A mitocrítica tende a extrapolar o texto ou o documento estudado, a ampliar para lá da 'obra de civilização' rumo a detecção, pelas 'metáforas obsessivas', que outros autores chamam de Psicocrítica, o 'Mito Pessoal' que rege o destino do individual; mas a mitocrítica, pois que todo 'mito pessoal' é um 'mito coletivo' vivido num/por um ideário, tende a ampliar rumo às preocupações sócio-histórico-culturais. E assim pede, como coroamento, uma mitanálise, que está para um momento cultural e para um dado conjunto social, como a Psicanálise está para a psyche individual".

Isto é, enquanto a mitocrítica está centrada na análise dos mitos de "textos culturais"; a mitanálise, estende a sua análise ao contexto social, como um todo, no sentido de aprender os mitos vigentes diretivos de uma dada sociedade, num período de tempo relativamente extenso e delimitado.

A mitanálise, é um termo que Durand forjou em 1972, levando em conta o modelo da Psicanálise. Trata - se de um método de análise científica dos mitos, que "tenta apreender os grandes mitos que orientam ou (desorientam...) os momentos históricos, os tipos de grupos e de relações sociais", nas palavras do mestre. Por seu intermédio, procede-se a um desvelamento dos movimentos míticos nas sociedades, pois a mitoanálise desloca os métodos da mitocrítica para um campo maior: o do aparelho, das instituições ou das práticas sociais; uma abordagem, portanto, que envolve todo o conteúdo antropológico de uma sociedade - não mais um texto mas um contexto social que envolve igualmente um reagrupamento de núcleos semânticos.

O pressuposto básico da mitanálise é o de que "numa sociedade há mitos tolerados, patentes, que circulam, e mitos latentes, que não conseguem encontrar meios simbólicos de expressão e que trabalham a sociedade a um nível profundo". Por isso mesmo, a mitanálise se faz necessária, no sentido de desvendá-los.

A fisiologia da mitanálise em Durand não permite a formação de novos mitos, mas a dinâmica cultural admite um grande número de variantes de mitos clássicos. A dinâmica cultural pressupõe que os mitos desapareçam e ressurjam ad infinitum, e a História registra seus avanços e recuos.
Durand afirma que, por detrás dos grandes movimentos históricos, houve e há uma arrumação de símbolos e mitos constituintes que representam os desejos da humanidade, pois os mitos motivam os fatos históricos.

O AT - 9 - Teste Arquétipo com 9 elementos foi desenvolvido por Yves Durand a partir da sistematização das estruturas antropológicas do imaginário de Gilbert Durand. Seus resultados validaram a teoria do antropólogo, confirmando sem ambigüidades, a existência das estruturas imaginárias, sistematizadas por aquele, e ainda mostraram-se úteis no campo da Psicopatologia.

A teoria de Durand diz que a imaginação humana representa simbolicamente a angústia humana diante da finitude e da certeza diante da morte. Da mesma forma cria várias imagens que triunfam sobre ela, revelando esquemas primários fundamentais.

O AT-9 refere-se a nove estímulos simbólicos (ou arquétipos): propõe a elaboração de um desenho e de um relato. Os arquétipos são: uma queda, uma espada, um refúgio, um monstro devorador, algo cíclico, um personagem, água, um animal e fogo. O indivíduo fará um desenho utilizando os elementos propostos e depois um relato sobre o desenho. Um questionário adicional colhe as informações complementares. Assim obtém-se um micro-universo mítico onde é possível atualizar e identificar a imagem e sentido referentes à angustia existencial, ponto de partida da teoria do antropólogo.

Muitos outros aspectos aparecem na temática do imaginário, ntretanto selecionamos aqueles que julgamos mais importantes, sem esquecermos que mais que qualquer outra, esta seleção é extremamente fragmentada e reducionista, pois diz respeito a uma coleta que foi feita com poucos elementos, ou seja, do ponto de vista de uma iniciante nos estudos do imaginário, embora não seja demais salientar que também na dimensão simbólica nunca poderemos abarcar e compreender o tudo, ou mesmo o satisfatório, sendo assim a fragmentação não é privilégio só nosso.

Enfim, nos apropriando das contribuições de Cemin, (1998) reafirmamos a validade de esforços neste sentido, pois "é nos limites, nos transbordamentos, nas reduções e complexificações de sentido, que o imaginário investe e multiplica suas metamorfoses e permanências"

Bibliografia

DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1982.

LAPLATINE, François; TRINDADE, Liana. O que é imaginário? Col. Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996.

CEMIN, Arneide. Entre o cristal e a fumaça: afinal o que é imaginário? Presença Revista de Cultura e Meio Ambiente. Porto Velho, Fundação Universidade Federal de Rondônia v. 5, no 14. Dez./1998.


NOTAS

1. Discente do Curso de Mestrado em Desenvolvimento Regional. Reflexão produzida a partir das leituras sobre imaginário e particularm ente da obra de Gilbert Durand, "A Imaginação Simbólica" como pré-requisito avaliativo da disciplina Antrpologia Social ministrada pela Profa. Dra. Arneide Cemin – UNIR – junho de 2001

2. Narrativa puramente ficcional. Cada mitema é o portador de uma mesma verdade relativa à totalidade do mito. Ex. Holograma de Edgar Morin - cada fragmento e cada parte contém em si a totalidade do objeto.




# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 6:55 PM


Comentários:


Desde a mais remota Antigüidade, o homem firma-se como um ser pulsional, assim como um canal de sensações. E para expressar as suas verdades mais elevadas se utiliza de uma linguagem simbólica.
Os livros sagrados faziam uso de parábolas, metáforas, poesias e mitologias, que transmitem, ainda hoje, uma concepção do mundo e do universo, que em seus aspectos essenciais é análoga a todos os povos. É possível encontrar coincidências entre símbolos de diferentes culturas, pois, de certa forma, todos fazem menção a uma única e mesma verdade; expressando princípios inabaláveis, que se eternizam (ram), dos quais se originam(ram) as tradições e as ciências, assim como suas representações alegóricas.
Vivemos num universo de aparências e símbolos, por isso estes se encontram no âmago das nossas criações. Eles existem em nós e estabelecem relações convencionais, por vezes aproximadas, entre o representante e o objeto representado.
Realmente concordo quando com o seguinte fragmento:"A vida social é impossível fora de uma rede simbólica".
Diz-se que o homem só consegue atingir o conhecimento, através de símbolos; é por meio dos símbolos que se reconhece enquanto indivíduo que é, enquanto ser social, cultural, político e econômico.
São simbólicas todas as manifestações da humanidade e do meio natural. É a partir destas manifestações que o homem estrutura sua existência.
As letras, as palavras, os números, a História, a Arte, as sociedades, a religião, as guerras, os jogos, a cultura, de modo geral; tudo são símbolos.
Alguns estudiosos afirmam que, hoje, “tudo é mito”, mas acredito que para ser mito é preciso, antes, ser símbolo, portanto acredito e afirmo que tanto hoje, como no passado e no futuro, tudo foi, é e sempre será Símbolo.

Sabemos da importância absoluta do imaginário e dos simbolos na vida dos homens, em toda as épocas. Vivemos numa sociedade, em que há o BOOOM Imagético, onde cerca de 80% ou até mais daquilo que assimilamos do mundo, no mundo, nos vem por meio do contato visual estabelecido, de acordo com Zuzunegui. Porém acredito que não podemos relegar a imagem a um mero objeto sufocante do imaginário e da atividade mental das pessoas. Pois não são, apenas, as imagens as grandes responsáveis pela “violentação das massas” ou pela “anestesia da criatividade do imaginário e do nivelamento dos valores”, mas sim como são manipuladas e veiculadas pelos meios de sua divulgação e propagação pelo mundo.
Não concordo quando diz que as imagens sufocam o imaginário, pois elas criam, complementam, sugerem e incitam sentidos vários e significações. Elas são indispensáveis para a dinâmica social dos homens, desde quando ele se fez um "animal" sociável e que passou a estabelecer relações comunitárias, mas também de si mesmo com o mundo e do mundo com ele próprio.

Logo, deixo aqui o meu voto de louvor pelo artigo apresentado.

Cordialmente,
Gustavo Aragão (Professor, Escritor, Ator e Poeta sergipano)
# postado por Anonymous Anônimo : 11:15 PM  


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