Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

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sexta-feira, setembro 15, 2006


 

A SEMÂNTICA E O TEATRO INFANTIL


A SEMÂNTICA A INFÃNCIA E O TEATRO INFANTIL parte I


por carlos augusto nazareth



O espetáculo teatral infantil está estruturado ou engessado em uma série interminável de palavras, que nomeiam, de forma vaga e por vezes equivocada, o universo do teatro infantil.
Começamos pela palavra infantil. Muitas correntes se recusam a usar este termo por sua conotação pejorativa de coisa menor, que tem uma história que precisa ser discutida.
Infância, s,f (Lat. Infantia ) – Estado ou idade da criança que ainda não fala, por extensão, o primeiro período da vida humana, até os sete anos (1)
(Do latim infans –antis “que não fala”-infantil) (2)
A etimologia da palavra mostra o conceito histórico de criança "a que não fala”, ou seja, a que não tem voz.
Evidentemente a história da criança na sociedade passa por inúmeras fases.
Na Idade Média, o comportamento é marcado pela infantilidade entre todas as faixas etárias. Nota-se que não há um conceito exato de adulto e muito menos de criança.
Sendo assim, a infância se estende apenas até os sete anos. Nessa idade quando passa a ter acesso à língua escrita, o menino de sete anos é um homem em todos os aspectos, exceto na capacidade de fazer amor e guerra.
Nesta época não existia o mundo da infância, as crianças freqüentavam festas em que homens e mulheres alcoolizados se comportavam vulgarmente, sem pudor na frente dos menores
Sintetizando, invisível era a palavra que definia a criança na Idade Média, sem dúvida uma diferenciação entre o mundo medieval e o mundo moderno.
Na modernidade, em culturas onde há diferenças explícitas entre o mundo adulto e o mundo infantil, esses segredos são revelados às crianças, na medida em que elas se encaminham para a fase adulta e quando se acredita que esses segredos sejam assimiláveis psicologicamente.
Para os gregos, a infância é um período fantástico para o aprendizado. É comum se dizer que o que se aprende, quando criança, fica de modo indelével na memória. A cultura grega tem a tendência de considerar a infância como uma fase privilegiada da vida humana.
Se observarmos a questão por uma ótica sócio-política, a criança, assim como as pessoas da terceira idade, são classes não-produtivas e, portanto, não-importantes para o sistema capitalista.
Vemos, historicamente, a infância passar do invisível ao desprezível, como classe produtora e como infantil é o adjetivo derivado de infância, carrega toda esta conotação negativa. Há correntes que renegam este adjetivo e optam por chamar atividades voltadas para a criança como Literatura para criança, Teatro para criança, como se a palavra infantil emprestasse a estas atividades um valor menor.
No entanto, acreditamos que esta postura corrobora esta visão ao invés de modificá-la. Não usar a palavra infantil por quê? Infantil vem de infância, período considerado primordial na formação do adulto.
Muito pelo contrário, temos é que mudar o conceito ou pré-conceito em relação à palavra infantil e usá-la com muito orgulho como em nossa Literatura Infantil, reconhecida mundialmente por sua qualidade e assim definida pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.Ao resgatar o sentido primeiro da palavra infantil estamos transformando o conceito de infantil. E as pessoas alegam, como justificativa, que se usa “Que atitude infantil" - uma forma pejorativa. Sim é verdade, mas isto não empresta nenhuma conotação desabonadora à palavra infantil. Na verdade, a pessoa, em questão, está tendo uma atitude inadequada a sua idade,não que infantil, por si só, seja termo pejorativo. Poderia ser também uma atitude senil – e isto torna as pessoas já acometidas de senilidade seres menores, “desimportantes” ?
Ao invés de mudarmos palavras é necessário mudarmos conceitos, que levam a posturas por vezes rígidas e absolutamente ineficientes.
E em nome desta pequena miscelânea de idéias, diz-se – não há teatro infantil e teatro adulto. O que há é o bom e o mau teatro. E dão como justificativa o Teatro na Idade Média, as farsas, representadas na rua, para toda a família. Mas esquecem exatamente o que foi abordado acima sobre a questão da criança na sociedade de então, e esquecem também que na Idade Média os feudos eram minúsculas povoações com um número incomparável ao nosso mundo hoje, formado por crianças e jovens até 20 anos, que então morriam ou de peste ou nas cruzadas. Claro que era, assim possível, um teatro para toda a família, sem distinção de infantil ou adulto.
Outra justificativa levantada em prol do famoso “teatro é teatro e pronto” é o teatro de Mamulengo. Mais uma vez dizem: “ Veja o teatro de mamulengo, é representado para a família inteira” – uma afirmativa sem nenhuma verdade.
O Mamulengo é um espetáculo que dura em torno de seis horas, representado no interior de Pernambuco, onde o analfabetismo aproxima adultos e crianças, onde o universo em que vivem, restrito, também os aproxima, a convivência estreita diminui os “interditos” à criança. E na verdade, em seu livro “O mundo mágico de João Redondo” Altimar Pimentel diz: “ Primeiro as crianças iam dormir, depois as mulheres se retiravam e quando já ia alta a noite e a cachaça o mamulengo então se tornava pornográfico” Portanto o conceito de infância não suficientemente debatido, pensado e refletido, coloca em questão inúmeras assertivas sobre o teatro infantil, que se tornaram verdades.
Esta questão “o que importa é o bom teatro” é evidente e não diz nada, na verdade. Do teatro para criança tem que se exigir qualidade, da mesma forma que do teatro para adultos, mas isto não os torna “a mesma coisa “
Aqui sempre vale repetir a já exaustivamente citada frase de Stanilawsky “O teatro para crianças tem que ser igual ao do adulto, só que melhor” ou a frase de Pirandello “Fazer teatro para crianças é igual a fazer teatro para adultos, só que mais difícil”Seguindo a história, a idéia de infância se concretizou quando foi inventada a imprensa. Assim a nova idade adulta passou a excluir as crianças e estas, expulsas do mundo adulto, passaram a habitar um outro mundo, o mundo da infância. Ao se tornar letrado, o mundo adulto, a educação passou a ser instrumento necessário e assim surge a civilização européia que inventa a escola, provocando uma revolução profunda no próprio sentimento de família. Agora os pais confiavam à escola o papel de educar seus filhos.
A partir daí surge um novo amálgama, difícil, até hoje, se individualizar. O teatro e o teatro na escola.
O teatro, como produção artística, visto pela ótica da obra de arte não tem que fazer parte do processo educativo institucional da instiuição escola. Deve fazer parte da vida do indivíduo. E como obra de arte não tem função “ensinante”, nem “moralizante”, nem “didática”. Diz-se do teatro pedagógico no sentido amplo de fazer o indivíduo se conhecer, se perceber, perceber o outro e o mundo e não aprender que se deve escovar os dentes três vezes ao dia.
E aqueles que defendem isto, levianamente citam Brecht e o teatro didático de Brecht. Em algum momento estas pessoas leram O Pequeno Organón de Brecht e viram que ele diz textualmente que o teatro não foi feito para ensinar? O didático e o distanciamento Brechtiniano têm também a função do homem conhecer a si mesmo, ao próprio homem, ao outro e à sociedade e poder ver, perceber, pensar, raciocinar, deduzir, entender, compreender, questionar, através deste distanciamento. que impede que a emoção tolde totalmente o seu pensar e repensar o mundo. O homem está aprendendo sobre o homem e sobre o mundo – pensando criticamente sobre todas as questões pertinentes e jamais ensinando como as pessoas devem se comportar ou dando lições de moral, mensagens edificantes e tal.
Mas a escola com seu super-didatismo não consegue permitir a liberdade da arte e a função libertária da arte. Não consegue entender que uma obra de arte é completa por si mesma, que não há necessidade de se fazer “um aproveitamento” – este é feito pelo próprio processo artístico. Se não faz efeito assim, é porque não é uma obra de arte. E “fazer o aproveitamento” do espetáculo visto é limitar e reduzir a obra de arte e sim uma aula e esta não é definitivamente a função do teatro, nem de nenhuma obra de arte.
E a escola continua a escolher os espetáculos a serem indicados a seus alunos pelo critério dos que atendem ao conteúdo programático da escola, que ajudam a ensinar algo, ou que é transmissor de bons costumes, bons hábitos e boa moral.
Ou então servem de maneira complementar às comemorações do dia do Índio, do dia do Soldado, do mês do folclore e assim por diante. Esta também não é, definitivamente, a função do teatro.
As origens européias de nossa literatura infantil e do nosso teatro, ambos introduzidos no Brasil através de autores europeus aqui traduzidos e publicados, trouxe esta função colonialista do teatro feito para ensinar a criança.
O teatro deve estar na escola, como a música, a dança, como Obra de Arte e não com a função de ensinar. Cabe a escola estimular a criança a experenciar a Arte – esta questão não mais se discute – fundamental na formação integral do ser humano e enquanto ARTE.
O teatro pode estar na escola, íntegro, de várias, formas, mas esta é uma questão par um outro artigo.
Atualmente, o conceito adulto-infância está bastante confuso, sem fronteiras. Nota-se que brincadeiras de rua, jogos, brinquedos manuais, já não são mais alvo de interesse de nossas crianças ou então não estão disponíveis às mesmas.
O vestuário infantil confunde-se com o do adulto: crianças vestem roupas sensuais, salto alto, usam maquiagem e acessórios exagerados; enquanto adultos querem prolongar a adolescência, vestindo-se de forma apropriada a este período.
A partir dessas considerações, parece que a concepção de infância dos dias de hoje é semelhante à da Idade Média, quando a criança era concebida como um adulto em miniatura.
Nesse sentido, mais particularmente, a noção de individualidade é que faz com que a criança seja entendida, como um "sujeito de direitos", um ser uno, indivisível, curioso, dotado das melhores potencialidades da espécie e que deve ser respeitado, pois se encontra num momento de formação da personalidade e valores .
E nada melhor que a Arte, e aqui, o teatro pra que ele discuta, questione, pense e repense e decida, por si mesmo, sobre seus próprios valores.
Outras palavras engessam o teatro infantil, mas aqui a infância e a escola foram as questões primeiras. E sob esta perspectiva Maria Helena Kühner, de forma brilhante, questinonou todo este universo com um simples título do livro qeu coordenou e que reúne artigos sobre teatro infantil de autores diversos - "O teatro dito infantil".
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(1) FONTINHA, Rodrigo. Novo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, revisto pelo Dr. Joaquim Ferreira. Editorial Domingos Barreira, Porto, Portugal.
(2) CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológio Nova Fronteira da Língua Portuguesa.
Editora Nova Fronteira. RJ. Brasil. 1982
Bibliografia:
Revista Sul Americana de Filosofia e Educação, artigos diversos
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981
BRAYNER, Flávio. Da Criança-cidadã ao Fim da Infância. In: Educação e Sociedade,
KOHAN, Walter Omar. Filosofia para Crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. Coleção (O que você precisa saber sobre).
POSTMAN, Neil. O Desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999
RUSSEFF, Ivan. A Infância no Brasil pelos Olhos de Monteiro Lobato. In: FREITAS, M. C. (org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1999.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 6:12 PM


Comentários:


Excelente reflexão. Nós artistas, inseridos no ambiente escolar e o tempo todo sendo solicitados para complementar os currículos nas ocasiões de festividades, temos o dever de ampliar e difundir a questão da arte como possível transmissora e potencializadora de questões que vão além do ensinar e trasmitir conteúdos. O olhor, o corpo, a voz, a ação... A troca imediata. O teatro e suas especificidades deixam marcas únicas quando realizados com atenção e criatividade. A dimensão do erro, da troca, o estímulo à imaginação através do que é mostrado e do que se é sugerido ou escondido, do brincar de ser, de assistir a algo inventado mas que parece real (da mentira bem elaborada, nesse caso), inserem os pequenos nesse processo lúdico do viver e do construir elos entre o "real e o imaginário". Criar e pensar obras especialmente dedicadas às crianças, porém não somente limitadas a eles, ricas em termos de simbologias e linguagens, é o nosso desafio.

Daniela Fossaluza
Costurando Histórias
# postado por Anonymous Anônimo : 8:43 PM  

ler todo o blog, muito bom
# postado por Anonymous Anônimo : 2:53 AM  


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