Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

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terça-feira, julho 31, 2007


 

TODO TEXTO É SIGNIFICAÇÃO


TERCEIRA E ÚLTIMA PARTE


Prof.Dra.Nanci Nóbrega



Clarissa Pínkola Estés registra Vasalisa como conto antiqüíssimo acerca da intuição em seu capítulo intitulado No mundo subterrâneo do selvagem Deus fêmea, afirmando que ele fala de como infundir nas mulheres o poder instintivo básico da mulher selvagem , a intuição. É a história da transmissão da bênção do poder de intuição das mulheres (de mãe para filha, de geração para outra). É fundamental, portanto, que se contextualize Vasalisa, que é um repositório da intuição instintiva da mulher, na argumentação geral de Mulheres que correm com os lobos. A argumentação é muito grave, diz que esta intuição feminina, durante muito tempo, foi transformada em correntes subterrâneas enterradas pelo descrédito e pela falta de uso. Saber disto, portanto, é fundamental, quando se quer adaptar Vasalisa. (E, ainda, é sempre diferente, também, quando a voz, que é o elemento fundamental do teatro, aparece.) A argumentação fundamental do livro é, assim, que o feminino – cujo elemento principal é a intuição –, ficou soterrado durante muito tempo por desconsideração e descrédito e, pois, precisa renascer.
Estés utiliza as narrativas fundantes e vai tecendo a argumentação dela que é essa, utilizando-se dessas histórias, e a primeira história que ela traz e faz uma análise maravilhosa, é exatamente a história da Baba Yaga, da Vasalisa, que vai falar sobre a intuição feminina, passada de mãe para filha, e que faz com que Vasalisa consiga penetrar na floresta, consiga enfrentar Baba Yaga, consiga morar com Baba Yaga. Ela não só vê a bruxa e agüenta, mas ela reside com Baba Yaga, ou seja, ela trabalha com a sua sombra, enfrenta-a. Enfrenta residindo e passando pelas provas da jornada. Ao fim deste enfrentamento, Baba Yaga diz: “Bênção?! [foi o que a mãe boa demais dera a Vasalisa, ao morrer] Saia de minha casa! Tome o fogo!”. E o fogo, que é a metáfora do conhecimento, pertence agora a Vasalisa. Baba Yaga ao ver que Vasalisa já incorporou a sua sombra (isto é uma visão da área Psi) e consegue enfrentá-la e residir com ela, está pronta: o fogo (conhecimento) pode ser entregue para ela, portanto. Vasalisa vai embora da floresta e da casa da bruxa (os reinos interiores), levando o fogo. E o último elemento da história é esse fogo queimando aquela família de três (a madrasta e seus dois filhos) que impediam a potência desta, agora, mulher. Vasalina plena em si.
Como vimos anteriormente, este fim que não é final, nas narrativas fundantes; é como que um jogo para tirar a pessoa do conto e jogar na realidade. Finais abruptos são para isto, para nos dizermos Toma uma Vasalisa pra você, compreenda-a e veja o que quer fazer com isto para a sua vida... Eles nos permitem sair do tempo do conto, que é um tempo outro, e voltar para este aqui, o de nossa realidade mais imediata. Nos instiga à pergunta: E agora, o que é que você aprendeu com esta narrativa?
Estés, com este conto, também esclarece, junguianamente, a necessidade que temos de matar a nossa mãe boa demais. Vasalisa começa com a mãe boa demais morrendo . E trago esta questão à nossa conversa, pois é muito importante para a adaptação teatral, principalmente aquela que classificamos como voltada para o expectador criança.
Começar um texto teatral, voltado para o público infantil, com a morte de uma mãe tão boa quanto a de Vasalisa é fundamental, pois o Teatro Infantil, apesar de não ser Pedagogia, ensina. Assim como as narrativas da tradição.

REFERÊNCIAS

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano / 1. Artes de fazer. 4.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

DARNTON, Robert. História da leitura. In: ______. A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Ed. UNESP, 1992.

ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Livr. Casa do Estudante do Brasil, 1951.

VON FRANZ, Marie-Louise. A Sombra e o Mal nos Contos de Fadas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 6:26 PM


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