Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

Conteúdo Atualizado Semanalmente



sexta-feira, abril 21, 2006


 

O UNIVERSO DO TEATRO INFANTIL


O universo e a diversidade do que é chamado teatro infantil


por carlos augusto nazareth



São tantas formas e maneiras de se realizar atividades correlatas e similares ao teatro, tantos usos que cada área profissional encontra no que chama de teatro, que o termo, na verdade, adquire um plurisignificado. E assim, mesmo se utilizando da palavra teatro, muitas vezes estamos falando de fenômenos culturais absolutamente diversos.
Teatro – na sua acepção primeira – é antes de tudo uma Obra de Arte com todas as funções, riscos e possibilidades de qualquer obra de arte.
Tem suas definições próprias, seus próprios nortes sempre suscetíveis de mudanças e transformações, através do tempo, acompanhando a evolução do homem e do mundo.
Século XXI e se clama por um teatro infantil criativo, de qualidade, não dogmático, não didatizante, nem pedagógico, que não tenha a função de comemorar datas festivas, de complementar conteúdos programáticos. Que não defina regras, que não dê receitas de bem viver, mas que, sim, amplie a capacidade criativa crítica e inventiva da criança e de seu potencial imensurável de perceber o mundo com o seu lado afetivo aberto e sensível que, com o tempo, a sociedade vai sufocando. A Arte, colocada num segundo ou terceiro plano, deixa de fazer parte ativa da constituição da formação integral do ser humano.
No nosso trabalho de pesquisa constante sobre a criança e sobre a arte nos caiu nas nossas mãos um livro que nos chamou a atenção pelo seu título: “Vale a pena fazer teatrinho de bonecos”. Imediatamente associamos esta publicação à recente matéria de Dib Carneiro Neto cujo título é “Teatrinho é a vovozinha”.
Este livro, de 1963, traz nele as origens do pensamento da relação do teatro e da criança, com nítidas heranças catequéticas jesuíticas e de teorias pedagógicas do século retrasado.
Apenas quarenta e três anos nos separam das idéias veiculadas neste livro. Mas ao contrário da ciência que evolui do Quatorze Bis aos veículos interplanetários, o homem ainda caminha lentamente em seu desenvolvimento pessoal. Portanto, a análise deste livro não tem a intenção de invalidar as idéias veiculadas, próprias a adequadas à época, mas mostra as raízes das posturas contra as quais ainda lutamos, hoje, para acompanharmos e estarmos sintonizados com época em que vivemos e nos preparando para o novíssimo mundo, que ainda vamos viver.
O texto do livro em questão é revelador e nos mostra toda a questão da relação da criança e arte, da arte e da escola, do teatro na escola e do teatro, não tomado como obra de arte, mas como recurso auxiliar de outras áreas da educação, da arte-educação e até mesmo da arte-terapia.
Sem invalidar as questões levantadas, tendo em vista o contexto e a época em que foram formuladas, vamos analisar o texto tomando o teatro sob a perspectiva da obra de arte, como ele é visto hoje, tentando evidenciar os diversos teatros – pois assim se nomeia tudo que tenha uma relação com o “drama” – dentro do Teatro, área que estamos tomando em sua forma absoluta.

Logo de início o prefácio diz Helena Antipoff: (1)

“Desde a “apresentação” e no decorrer do trabalho, podemos notar o entusiasmo que empolga as autoras pra com esta “arte menor”. (Mesmo vindo entre aspas, isto denota como era visto o teatro, no caso especificamente o teatro de bonecos – uma arte menor, o teatrinho de bonecos. E Helena Antipoff continua.) “Um teatrinho de bonecos é um excelente meio de ocupar a criançada. (grifo do autor. E continua a autora do prefácio a falar de importantes receitas que asseguram o pleno êxito do teatrinho de bonecos, como a importância de uma cortina bem colocada e do teatrinho utilizado na Suíça, no Instituto Jean Jacques Rousseau, onde se utilizava um " teatrinho de um único personagem: Johnny, o macaquinho – de pelúcia marrom de rabo longo" . Aqui é evidente a terrível confusão feita entre teatro e artefato lúdico e por razões que ignoramos era chamado de minúsculo teatrinho de um único personagem.
Salvando, de alguma forma seu prefácio, Helena Antipoff diz que o trabalho das irmãs Milward, autoras do livro, contribuirá certamente para a maior expansão desta preciosa “arte” (assim mesmo arte entre aspas) cujos dramas e comédias podem ter benéficas repercussões na procura dos equilíbrios emocionais após descargas (grifo do autor) de riso, choro, medo, raiva, simpatia, hostilidade vividos no pequeno palco ou na platéia. Embora reduzida ao conceito único de possibilidade catártica, de alguma forma Helena Antipoff reconhece pelo menos uma das funções mais antigas e primeiras do teatro, que Aristóteles foi o primeiro a codificar – a catarse – forma de alívio das tensões, com possibilidades talvez terapêuticas, possivelmente o viés aqui entrevisto pela autora.
Dando continuidade a nossas observações, já agora a partir do texto do livro de Vera, Lea e Elza Milward, no capítulo que fala especificamente de dramatização, observamos algumas relevantes colocações.

“A estória é um gênero de atividade recreativa de grande importância." Além do prazer que causa à criança, tem um grande valor como instrumento educativo. (grifo do autor)

“A estória, quer seja contada, lido pelo professor ou pela própria criança, dá margem a um sem número de atividades tais como – desenho, recortes, modelagem, dramatização.”

“Tem a dramatização um valor incontestável como processo educativo”

“A dramatização seria um passo ou uma motivação para o teatro. Uma comemoração, uma festa, também podem motivar a organização de um teatrinho.”

“O teatro surgiu como instituição educativa e se não corrige costumes, pode alterá-los profundamente. Os gregos e romanos já o empregavam como esta intenção – “teatro, espelho de costumes para servir de escola.”

“O teatro infantil constitui uma atividade recreativa de grande valor educativo. Todas as atividades, na encenação de um peça, no teatro infantil podem ser realizadas pelas crianças, desde a escolha ou escrita da peça, distribuição dos papéis à confecção de cenários, indumentárias, etc. A atividade da criança pode, entretanto, restringir-se à representação”.
Se analisarmos o conjunto destas afirmações vemos aqui o teatro tomado tão somente como uma atividade recreatitva (e não o deixa de sê-lo, mas não se reduz a isto) e como instrumento educativo. Ou seja o teatro feito para ensinar.
Dramatização também surge como uma atividade complementar da leitura, como o recorte, o desenho e não como uma forma de expressão autônoma e criadora em si mesma.
A dramatização é vista como “uma motivação” para a encenação, que também pode ser uma data cívica ou comemorativa. A dramatização não é vista aqui como elemento mobilizador de toda uma carga emocional vivenciada pela crinaça que a auxilia no auto-conhecimento, no conhecimento do outro e no conhecimento do mundo
E estas assertivas ditas e reditas de formas diferenciadas ainda toma o teatro infantil como o teatro feito por crianças para crianças. Não é ainda o teatro feito por atores, o teatro feito por adultos, o teatro feito por profissionais – menos mal.
No entanto estas premissas ainda se vê hoje transitarem nas escolas e nos palcoscomo verdades e objetivos e definições do que seja teatro para criança. Quase meio século se passou, o homem chegou à lua e breve estará fora da nossa galáxia, mas o universo do teatro para crianças ainda sofre as conseqüências de suas origens brasileiras catequéticas/ indígenas.
Quando as autoras falam dos “objetivos do teatrinho de bonecos” diz que, na escola ou no hospital seu objetivo primeiro é recreação “principalmente para as crianças do interior e do meio rural ou ainda as de condições sócio-econômicas precárias ou as hospitalizadas que carecem muito de meios de recreação. E é justamente através da recreação que vamos alcançar o segundo objetivo – educar. Inúmeras oportunidades nos dá e nenhuma deve ser perdida, quer no que diz respeito à educação moral, quer na transmissão de conhecimento.”
Esta fala final, antes de as autoras entrarem na transcrição da Peça para fantoches em três atos “A cidade da nutrição” vemos a ótica menor com que é vista a criança e a atividade teatral que fica reduzida e atrelada ao binômio recrear e educar. Serve para educar moralmente e transmitir conhecimentos.

Trecho do texto “A cidade da nutrição”

Sinopse: Conta a história de um menino que não queria comer e por isso é considerado um assassino e é julgado pelos seus atos (!)

(...)
Miguel: Renato! Deixe esse brinquedo e venha comer! Faz três horas que saímos de casa! Ora! Venha, menino.
Renato: Comer? Não tenho fome. Comam vocês.
(...)
Miguel: Renato pare com isso e venha comer qualquer coisa! Olhe, se você fosse obediente, pelo menos tentaria comer qualquer coisa. Mas não liga ao que tia Márcia fala. E a pobre criatura sofre com sua teimosia. Coitada da tia. Arrumou a cesta com tanto carinho! Oh, por favor, Renato, venha, coma alguma coisa.

(O menino não come, o piquenique acaba mas ele resolve ficar mais um pouco na floresta (sic)

Renato: Ai... sinto umas tonteiras... A cabeça me pesa! Como me dói aqui. Ai. Já sei. Há muitas horas não me alimento. (Levanta a cabeça, olha para as árvores e fala) Oh! Os gigantes de braços levantados. (Renato fica paralisado de espanto)
Vozes: Você é um criminoso!
Renato: Eu... criminoso? ...Por queê?
O Gigante:
Você é um criminoso porque está desperdiçando o bem mais precioso que recebeu de Deus –a saúde – não se alimentando como devia.
As vozes: É um criminoso. Criminoso!
Renato: Perdão! Prometo não fazer mais isso.
Gigante: Não basta. Tem que ser julgado.

(Há um julgamento, mas ele é absolvido, graças a intervenção do Sr. Leite a quem ele dava alguma atenção à noite. No fim era um pesadelo. Renato pede para se alimentar e diz)

Renato: Nunca mais esquecerei desses ensinamentos. E, outr coisa, assumi o compromisso de ensinar a todos os meus colegas e amigos, o que aprendi sobre nutrição.

Estamos em 2006, Maria Clara Machado e o Tablado já completaram mais de meio século. Ilo Krugli mais de quarenta anos de trabalho com o teatro para crianças, mas textos como esses e piores ainda sobrevivem em nossos palcos.
Momentos auspiciosos já viveu o teatro infantil. No entanto, se analisarmos o que vemos hoje, no quadro geral dos espetáculos em cartaz, verificamos muitas dessas premissas arraigadas nos trabalhos apresentados, pois estão arraigados numa mentalidade colonialista e restritora que infelizmente ainda domina a educação neste país, que é transmitida na formação dos professores, por eles assimiladas, e compactuada com os pais que também a receberam de herança e não a questionam, com a mesma veemência que questionam seus direitos de liberdade em todos os campos, inclusive o de gênero. E os produtores, preocupados principalmente em atender professores e pais, pois estes são os verdadeiros consumidores de seus produtos, não querem se arriscar a criar, enquanto artistas responsáveis por uma obra de arte e preferem não perder seu mercado de trabalho.
A hora é de ser contundente. Não há mais como contemporizar a questão. A literatura infantil já deu o seu grito de Independência há muitos anos, e aí está pujante, claro, embora com muitas literaturas menores ainda existentes e que sempre existirão, mas o teatro infantil precisa dar um basta definitivo a esta mesmice que já se arrasta por séculos – dos jesuítas aos vídeo-games.

Helena Antipoff - Trajetória e Obras (1)
Helena Antipoff cursou Psicologia em Sorbonne na França. Estudou e trabalhou com Pavlov, Bergson, Pierre Janet, Edouard Claparède, André Rey, Jean Piaget.
Em 1929 chega em Belo Horizonte.
No Brasil, criou o seguintes órgãos:
- 1929: Laboratório de Psicologia Aplicada criado na Escola de Aperfeiçoamento de Professores - Minas Gerais;
- 1932: Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais;
- 1945: Sociedade Pestalozzi do Brasil no Rio de Janeiro - 1934: Associação de Assistência ao Pequeno Jornaleiro;


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domingo, abril 16, 2006


 

O TEATRO E O ESPELHO



por carlos augusto nazareth



É o teatro o espelho do homem e do mundo. Ali, movidos pela razão e pela emoção, percebemos o Homem em sua relação com ele mesmo, com os outros e com o mundo. E esta é uma das funções do teatro - repensar o homem e a vida, inserido num contexto histórico-político.
As produções voltadas para as crianças espelham como os criadores vêm a criança e o teatro como Obra de Arte, função primeira do teatro e como mero produto comercial. Por vezes, colocado a serviço do ganho fácil e de projetos caça-níqueis, alguns produtores buscam atingir segmentos definidos da população, criando produtos que atendam ao perfil destes “consumidores”, seja de que forma for, visando unicamente o lucro e tentando conquistar principalmente os pais, que são os que decidem que espetáculo a criança irá ver.

Esta questão é segmentada

1. Há produções que se dirigem diretamente para um público considerado de elite, na verdade classe média, que sempre passa férias na Disneylândia e têm uma irresistível atração pelo “american way of life” e pelas grandes produções e grandes musicais.
Portanto as produções que ocupam os teatros situados em locais nobres buscam atingir esse público com dois tipos de espetáculo. Cópias “trash” dos filmes de Walt Disney, onde o espetáculo é uma reprodução dos filmes – os diálogos são traduzidos, as músicas ganham versão em português, os figurinos reproduzidos e os tipos físicos dos atores repetem o tipo dos astros norte-americanos: lindas mocinhas louras se apaixonam por belos príncipes encantados e louros. Estes espetáculo geralmente se utilizam de certos “truques” que os produtores perceberam que “funcionam” - a referência a assuntos contemporâneos, programas de televisão, o uso de termos “da hora “ , a introdução da tecnologia nos contos de fada, onde a bruxa fala com a fada por celular e por vezes mesmo o recurso do ator fazendo papel feminino, numa composição “drag queen”, com bastante escracho, propositalmente risível.
Nestas produções vemos o espelho daquele segmento de público onde teatro não é arte, é passa-tempo, criança gosta é de bobagem, a diversão é o escracho inconseqüente e desmedido, por vezes. O teatro lota, as crianças geralmente gritam excitadas e incitadas por atores e pais. Saem todos com a ilusão de que foram ao teatro, que levaram seus filhos para um programa cultural, na verdade uma forma de “arranjar o que fazer com as crianças no final de semana”. E aí o teatro é também espelho da relação pais e filhos, a forma como se relacionam com a cultura, com o mundo.

2. Há produções em clubes e pequenos teatros, geralmente localizados na zona menos “nobre” da cidade e que se voltam para um público classe média baixa, menos favorecido financeiramente, que pouco acesso têm à produção cultural, mas que também querem proporcionar a seus filhos a importante ida ao teatro, pois ir ao teatro ainda é, no Brasil, símbolo de status social. Algumas pessoas ficam envergonhadas de dizer que não vão ou que não gostam de teatro, portanto ir ao teatro é, para este grupo de pessoas, repetimos, símbolo de ascenção social.
Estas produções, geralmente de péssima qualidade, seja na competência dos atores, seja da sua ficha técnica, se utilizam geralmente dos contos tradicionais, como uma forma de provocar algum tipo de identificação com o publico. Normalmente o pai leva o filho para ver as histórias que ele ouvia quando criança. É esse critério de identificação que orienta os pais na escolha dos espetáculos.
Estes grupos, quase amadores, geralmente não têm nenhum tipo de formação, desconhecem o universo infantil, ignoram a importância do conto tradicional, como resgate da história da humanidade e cheios de símbolos e signifcação em diversos níveis. Assim, os adaptam para o palco com total desconhecimento das “regras básicas de dramaturgia”. Desconhecem também a importância destes textos enquanto literatura. Além disto, geralmente, as adaptações são feitas a partir de recontos de terceiro, quarto grau – o reconto do reconto - e quando chegam ao palco chegam vazios de significado. Porém mais uma vez a missão de ir ao teatro está cumprida. O adulto racionalmente tenta se convencer de que levou seu filho ao teatro, mas, a sensação vazia da experiência teatral não vivida, faz com que seu retorno ao teatro fique ameaçado e esta criança dificilmente será um espectador quando adulto.
Além disto, estes espetáculos ficam acima do bem e do mal, pois os críticos, com o pouco espaço para os espetáculos interessantes, lá não vão; os jurados dos prêmio, também não, portanto o que os produtores anunciam passa a ser a pura verdade e é esta a visão que passam para os pais, professores – mediadores - que com poucas alternativas para se informar sobre a programação cultural para criança e por não terem experiência própria com o teatro, por comodismo e uma visão menor do que seja “diversão” para criança, nem questionam a qualidade do que está sendo oferecido.

3. Temos um outro grupo, o maior deles, que nunca tiveram acesso ao teatro. População concentrada na zona mais empobrecida da cidade.
Onde está o teatro nos bairros mais distantes, menos favorecidos econômica, cultural e socialmente?

4. Mas há, felizmente, por outro lado, os criadores que tomam o espetáculo teatral como Obra de Arte, que se preocupam com a excelência, que são preparados para exercer a profissão e a arte, que conhecem e se preocupam em conhecer as crianças. São minoria, infelizmente.
O tipo de produção teatral que abordamos nos itens 1, 2 e 3 traz muito mais malefícios que benefícios ao teatro e ao público, faz com que os pais acreditem que “teatro infantil é assim mesmo”, que teatro é chato, que não vale a pena sair de casa, da frente do computador ou da televisão para ir até o teatro.
Recentemente o crítico teatral do Jornal do Brasil recebeu telefonema de um diretor de espetáculos infantis que disse textualmente “ não entendo nada de espetáculo infantil, mas adoro. Não sei dirigir, pois tenho só 19 anos de idade, mas meu espetáculo está em cartaz e gostaria que o senhor fosse lá para me dar algumas dicas de como dirigir. “
E nos perguntamos, como um espaço cultural, seja qual for, cede espaço para um espetáculo dirigido por alguém que confessa não saber dirigir, que deveria estar buscando uma formação, porém já está com um produto pronto (sic) em cartaz.
Todos os segmentos da sociedade têm que estar envolvidos nesta questão, ou nas questões da Arte, enquanto fundamental na formação integral do ser humano.
E se entenda todos – o ensino fundamental, o ensino secundário, o ensino universitário, a nível de formação, pós-graduação, mestrado, doutorado, a imprensa. Discussão que inclua pais, professores, pedagogos, orientadores, diretores de escolas. Nas escolas de formação de atores, seja de nível técnico, de terceiro grau, pós-graduação, mestrado ou doutorado, ou nos cursos de formação de professores, ou nos de pedagogia. Nada. Em nenhum lugar se discute estas questões, que ficam restritas aos poucos profissionais preocupados com a questão qualidade. É uma tarefa hercúlea que necessita de uma vontade política, As ações precisam acontecer em todos os níveis. Não podemos esquecer a função política e social do teatro, na relação teatro e sociedade.
A circulação de informação, a socialização desta discussão sobre a influência deste teatro sobre a criança, não apenas como de-formadores de platéia, mas um espelho deformante para a criança, na sua construção enquanto cidadãos. O mundo que lhes é mostrado, com certeza provoca impactos que são, na verdade, por vezes, bem piores que aqueles que causam um programa de televisão da pior qualidade. O teatro é presencial.
É o espelho do mundo e o espelho da humanidade que ali devolve imagens deformadas para um público extremamente aberto e sensível a qualquer tipo de expressão.
A força da palavra e da imagem, a força da situação dramática “in praesentia”, tudo colabora para uma de-formação do indivíduo em formação.
O teatro tem que estar permanentemente consciente de sua função pública, política, de sua responsabilidade social sem abrir mão de sua magia e de sua responsabilidade de formar cidadãos, emocionar, fazer pensar, refletir, tudo isto através do “jogo”. Diversão que ocupa a alma e a razão. Drama é a união de razão e emoção – assim se realiza a obra teatral.
Abrir mão destes elementos fundamentais desta expressão artística, por parte dos realizadores é falta de seriedade enquanto profissionais, enquanto cidadãos, pois prestam um des-serviço à sociedade. Estar atento a estas questões é um dever dos pais e dos professores.
A única forma de se mudar este panorama é um investimento do setor público, do setor privado, maciçamente na educação e na cultura, na formação do indivíduo, que só se faz completa no convívio pleno com a Arte. E, além disso, fazer circular a informação, socializar a informação sobre as questões da educação, da cultura e da arte, principalmente em relação a criança.
Fazer pensar, refletir, é o caminho, abrir caminhos, buscar espaços, trazer a tona estas questões, questionar – este é o início do caminho.


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quarta-feira, abril 05, 2006


 

TEATRO E LITERATURA





TEATRO E LITERATURA

Muitos são os pontos de contato entre a literatura e o teatro e o ponto principal deste encontro se faz na literatura dramática. Os fatores identitários de um se encontram no outro, a ponto de, por vezes, se confundirem, por se aplicarem tanto a um quanto a outro.
De modo que artigos escritos sobre literatura infantil, falam das questões pertinentes também ao teatro infantil. Além do ponto de contato a que nos referimos, há a questão da obra de arte voltada para um público específico – o infantil, principalmente quando a questão aborda a relação da Arte com a Escola.
Por esta razão estamos reproduzindo um texto de Luiz Antônio Aguiar, com sua autorização, sobre literatura infantil ao lado de um texto de Dib Carneiro Neto, sobre teatro infantil, já divulgado pelo Fórum de teatro.
carlos augusto nazareth

Leitura não é tortura
Luiz Antônio Aguiar


Diante de algumas situações de inércia, torna-se necessário repetir o óbvio: leitura é prazer. Transformada em dever de casa ou/e matéria de prova – como acontece em muitos colégios que ignoram (inercialmente) a viva discussão que se empreende contra a utilização paradidática da literatura infanto-juvenil – seu efeito é devastador: forma gerações de inimigos do livro, para quem malignos autores aliados a sádicos professores conspiraram para arruinar os fins de semana de jovens saudáveis e desejosos de viver.

O desafio posto é o seguinte: precisamos seduzir o jovem e a criança para a leitura; devemos rejeitar, repudiar todos os artifícios que tornem a leitura uma obrigação. Leitura não é coadjuvante nem acessório do currículo. Não pode ser rebaixada a servir de instrumento (paradidático) do ensino da gramática, muito menos da moral e dos bons costumes e de molduras afins. Pelo contrário, a leitura, o livro, coloca-se ao lado do leitor no seu direito de experimentar o mundo.

Leitura é um ato de troca entre o indivíduo e o livro. É um ato também de intimidade (introspecção) e de liberação. Não pode ser devassado por pressões externas, por fichas de abordagem, pelo que «vai cair na prova» ou pela interpretação que «a professora acha correta».

Leitura, enfim, é algo à parte, singular, dentro de casa, na escola e no mundo. É um procedimento de formação (não de educação) informal, que não pode estar sujeito a cobranças. É para ser oferecido em espaços estimulantes e particularizados, tais como oficinas, bibliotecas, espaços extracurriculares – que não valem nota – que podem se dar ao luxo de transgredir, de cultuar o proibido, de praticar o lúdico, sugerir o acesso ao inconfessável e explorar o conflito. Precisa tornar-se tentadora, irresistível, fascinante. Fracassa sempre que o jovem ou a criança se refiram ao momento de ler com um «ai, que saco!» do qual não tem como escapar.

Enfim, leitura e escritura são uma coisa só. São um gesto de descoberta e de aprofundamento, através da expressão escrita. São para romper (ou para oferecer a possibilidade de ruptura a quem queira tentá-la) o monolitismo bem-aceito e para inventar humanas verdades contra a ditadura da verdade única. São o «hipermercado... de impossíveis possibilíssimos» (Drummond, A suposta existência), onde o leitor produz matéria-prima para criar mundos para si. São a aventura que não estará nunca refletida no boletim escolar, mas no reconhecimento do que se ganhou, do que se aproveitou e se ampliou na existência.
(Publicado no «Caderno de Idéias», Jornal do Brasil, 30/4/94. Luiz Antônio Aguiar é presidente da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil AEILIJ)****************************************************************
Pecinha é a vovozinha
Dib Carneiro Neto


1. Excesso de intenções didáticas – não é preciso ser explícito, criança é
capaz de entender sugestões, simbologias. Arte é feita de alegorias, de
metáforas. Estranheza é saudável. Criança tem capacidade de interpretar o
que vê.

2. Uso do humor fácil e grosseiro – muitos autores lançam mão de bordões
televisivos para fazer a platéia rir (“da hora”, “fala sério”, “faz parte”)
Isso cria no autor um falso retornode aprovação do humor da peça. Essa
facilidade de recorrer ao bordões chulos e vazios da TV é um recurso pobre,
que só escancara a incapacidade do autor criar situações engraçadas por elas
mesmas.

3. Excesso de efeitos multimídia – muitos autores ficaram com idéia de que,
para atingir o jovem no teatro, basta levar para o palco os recursos
tecnológicos a que esse jovem está acostumado a lidar ou seja, a linguagem
do videoclipe, a rapidez da internet, as cenas pré-gravadas em vídeo e
exibidas em telões em cima do palco. Mesclar linguagens diferenciadas é até
coerente com o universo adolescente, mas abusar disso é lamentável e afasta
os autores das especificadades da carpintaria dramtúrgica;

4. A obsessão pela lição de moral – teatro infantil não tem a obrigação de
encerrar em si uma bela lição construtiva. Em vez do dedo em riste e da
lição de moral, vale mais a pena e é até mais honesto, tentar contar
livremente uma história e deixar que a criança se identifique, que a criança
a vivencie por si mesma. Não é ecessário invadir o imaginário da criança com
regras de conduta.

5. Edulcoração dos contos de fadas – os contos de fadas nasceram muito mais
realistas, muito mais cruéis do que eles são hoje. Hollywood e Walt Disney
transformaram tudo em final feliz, valorizando excessivamente o triunfo do
amor e da bondade. Reduziram o poder transformador de um conto de fadas,
minando neles a capacidade de fazer uma criança amadurecer. Um conto de
fadas oferece significado em muitos níveis diferentes e enriquece a
existência da criança em muitos modos.

6. Participação forçada da platéia – até hoje, muitos autores de teatro
infantil reproduzem aquela cena que um personagem se esconde do outro que
se dirige à platéia com a infalível pergunta: “Para onde ele foi? “
E a garotada e até os pais entram no jogo ela se vão uns dez minutos de “Foi
pra lá”, “Não, foi por ali”, “Agora está aqui” e assim por diante. O autor
fica feliz porque acha que conseguiu promover uma interação do espetáculo
com o público. Quem foi que disse que, para estar interagindo com o
espetáculo uma criança tem de berrar, sapatear, gritar?. O profundo silêncio
de uma platéia, muitas vezes, é a maior prova de interação, da comunicação
com o espetáculo.

7. Obsessão pela segmentação – existe hoje uma tendência mercadológica
castrante e limitadora, que segue distribuindo rótulos em profusão às
manifestações artísticas, enquadrando tudo em faixas etárias, dividindo o
mundo em categorias fechadas, acomodando a arte em gêneros estabelecidos.
Teatro infantil é antes de tudo teatro. E como tal, no máximo, pode ser
classificado por sua boa ou má qualidade.

8. Uso abusivo e despraparado da linguagem dos clowns. Proliferam
montagens em que os atores encaixam uma bola vermelha no nariz e acham
estar fazendo um espetáculo teatral. A linguagem do clown é difícil,
especializada, deve ser trabalhada com rigor, com muito critério e
criatividade. As crianças são submetidas no palco a típicos shows de palhaços
de festinha de aniversário e os pais saem achando que levaram o filho ao
teatro infantil. Isto vale também para os espetáculos de bonecos. Não basta
comprar fantoches em uma loja da esquina e montar um espetáculo. Artistas
estudam anos e anos para entender a arte da manipulação de bonecos.

9. Diálogos mal escritos e ineficientes. Dramaturgia é antes de tudo literatura
e, por isso deve ter todos os compromisso com a profundidade e criatividade
da literatura, sem perder o pé da oralidade. O texto teatral é uma expressão
artística que deve ser encarado com responsabilidade, porque o texto
dramático tem a capacidade específica de reproduzir falas sociais, as
aspirações, os sonhos, as esperanças. Peça infantil com diálogos
descuidados, frases mal construídas, idéias truncadas, é um mau teatro.

10. Mercantilização do espetáculo teatral – há quem não seja tão rigoroso com
relação a esse aspecto, mas realizar sorteios no final dos espetáculos é um
desvirtuamento da função do teatro, é um mercantilismo. A criança tem de
levantar da poltrona concentrada no que viu, na arte que desfilou pelo palco
o tempo todo e não preocupada se o número de sua poltrona vai ser o número
sorteado para ganhar os brindes. Teatro não é programa de auditório.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 6:01 PM 1 Comentários
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