Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

Conteúdo Atualizado Semanalmente



segunda-feira, abril 30, 2007


 

OS CONTOS TRADICIONAIS



por carlos augusto nazareth



ADAPTAÇÃO DOS CONTOS TRADICIONAIS

No primeiro FORUM PERMANENTE DE DRAMATURGIA, realizado pelo CEPETIN, em parceria com a CASA DA LEITURA. Foi lido o texto TECENDO VASALISA adaptação do texto VASALISA, publicado no livro MULHERES QUE CORREM COM O LOBO de Clarissa Pinkola Estes, que analisa o conto tomando Yung como base teórica para sua análise. Além de Maria Helena Kühner, debatedora permanente dos encontros do FORUM convidamos a professora Dra. Nanci Nóbrega, especialista em narrativas fundantes.
Este primeiro encontro será publicado posteriormente neste blog, está em fase de transcrição. Mas ficou evidenciado no encontro a importância da discussão aprofundada daqueles que resolvem adaptar um conto, que é uma tarefa árdua que requer estudo, pesquisa, arte e competência. Não é uma tarefa nada fácil. Assim resolvemos vez por outra colocar análises de contos tradicionais conhecidos. Nada é definitivo, e os autores terão por vezes conceitos divergentes, mas o que é importante é a discussão destas narrativas e por isso no mês de maio, dia 28 NELLY NOVAES COELHO estará na CASA DA LEITURA dentro do FORUM PERMANENTEN DE DRAMATURGIA falando sobre os contos tradicionais e suas adaptações.
Hoje transcrevemos uma análise feita por Bruno BETTELHEIM sobre o conto CHAPEUZINHO VERMELHO. Apenas para podermos ver como estes contos podem ser analisados de forma aprofundada e devem ser antes de se fazer uma adaptação.


CHAPEUZINHO VERMELHO

A estória do Chapeuzinho Vermelho tem muitas versões.”A imagem de uma menina “inocente” e encantadora sendo engolida por um lobo deixa uma marca indelével na mente.”
A versão mais popular deste conto é a assinada pelos Irmãos Grimm, Chapeuzinho e a vovó voltam a viver e o lobo sai castigado exemplarmente.
Perrault foi quem escreveu a primeira versão deste conto:”Capinha Vermelha”.O especialista em contos infantis mais abalisado, Andrew Lang, opina que se todas as versões de Chapeuzinho Vermelho terminassem como a versão de Perrault terminou,seria melhor que as abandonássemos.Foi com os Irmãos Grimm que este conto teve a sua salvação e se transformou no conto de fadas mais divulgado dentre todos eles.A estória de Perrault possui um adendo que é desconhecido das outras versões.Um pequeno poema se segue após a avó e a neta terem sido devoradas pelo lobo e este poema tem uma MORAL a ser guardada : meninas bonitinhas não devem conversar com quem não conhecem,se o fazem , não é de se admirar que sejam “devoradas”.
Quanto ao comportamento dos “lobos”, os mais gentis são os mais perigosos, principalmente os que acompanham as menininhas até ás suas casas. Perrault gostava de colocar MORAL em todos os seus contos .A estória de Chapeuzinho Vermelho , foi baseada em uma estória muito antiga que chega ao MITO DE CRONOS, que devorava os seus filhos que depois saiam da sua barriga colocando nela, em seus lugares, montes de pedras.
A versão de Perrault contém falhas, Chapeuzinho não foi advertida por ninguém para não perder o seu tempo conversando com estranhos encontrados no seu caminho.A vovó também, coitada, não havia cometido falta alguma que merecesse o castigo de ter morte tão cruel.A versão de Perrault, enfim, não deixa margem para que a imaginação do leitor entre em campo para dar um significado pessoal á estória.Perrault especifica todas as ações da trama não sobrando nada para o campo da imaginação entrar em ação.Contrariando o que o autor desejava, o que acontece é que o leitor chega a duas conclusões: ou Chapeuzinho é estúpida ou deseja ser seduzida e se finge de estúpida, a imagem de uma mulher decaída e cheia de truques!
O valor dos contos infantis para a criança é destruído, quando o autor “mastiga” os detalhes os traduzindo para a mente infantil lhe poupando o trabalho de fazer uso da sua imaginação.Há especialistas que pedem , inclusive, que as estórias redigidas para o publico infantil não sejam ilustradas, as ilustrações “cortam “, limitam a imaginação e a criatividade da criança.Os bons contos de fadas têm significados em muitos níveis; só a criança pode saber quais os significados importantes para elas.Á medida que vai crescendo ,relendo os contos, ela irá descobrir novos significados o que lhe dará a certeza de que evoluiu e amadureceu em compreensão,já que a mesma estória lhe mostra agora outros aspectos que não havia considerado anteriormente.Assim, os contos atingem a sua missão: a criança é quem irá descobrir,por si mesma, os significados ocultos nos textos.

A IDEIA MESTRA DO CONTO CHAPEUZINHO VERMELHO

“A idéia de que Chapeuzinho lida com a ambivalência infantil entre viver pelo princípio do prazer ou pelo da realidade é sustentada pelo fato dela só parar para colher flores “quando já juntara tantas que não podia mais carrega-las”.A vovó só é recordada quando o prazer de colher flores termina, aí, Chapeuzinho se lembra da sua meta: a avó e fazer-lhe uma visita,isto é só quando colher flores e o prazer que isto lhe traz termina, o id em busca de prazer recua e Chapeuzinho passa a tomar conhecimento das suas obrigações.”Chapeuzinho é na realidade uma criança que já luta com problemas pubertais, para os quais ainda não está preparada emocionalmente pois ainda não dominou os problemas edípicos.”
Chapeuzinho, porém é mais madura do que João e Maria,demonstrando uma atitude interrogativa diante do mundo que os dois irmãos desconhecem, por não se questionarem sobre a casa de biscoitos,nem explorarem as intenções da bruxa.Chapeuzinho é curiosa, deseja descobrir coisas ( sua mãe já advertiu , de início, que não fique espionando pelos quatro cantos).Quando ela encontra a vovó que lhe parece “muito estranha” , a menina se confunde com os disfarces usados pelo lobo, mas ela não se intimida e quer entender o que está se passando e passa a interrogar a “vovó”:porque estas orelhas tão grandes? Porque estes olhos tão grandes? Porque as mãos tão grandes, porque a boca terrível, ela está enumerando os quatro sentidos, audição,visão ,tato, paladar “ que a criança púbere usa para compreender o mundo. A quantidade de aspectos que este conto oferece é impossível de ser resumida neste pequeno ensaio portanto iremos colocar em evidência as suas mensagens principais.

O TEMA CENTRAL

O tema central da estória é a ameaça de Chapeuzinho ser devorada.”Chapeuzinho Vermelho aborda alguns problemas cruciais que a menina em idade escolar tem de solucionar quando as ligações edípicas persistem no inconsciente , o que pode leva-la a expor-se perigosamente a possíveis seduções.”
A casa da floresta é o símbolo do lar paterno,que são vivenciados de modo diferente devido a mudanças na situação psicológica.
Na sua casa paterna, Chapeuzinho tem a proteção dos seus pais,é a criança pré-pubere sem conflito algum e capaz de lidar com as circunstâncias.Na casa da vovó, também oferecendo segurança, Chapeuzinho sente insegurança e incapacidade de resolver as situações em conseqüência do seu encontro com o lobo.Já ultrapassada a ansiedade oral , . que encontramos claramente no conto “JOÃO E MARIA” ( comer a casa de biscoitos , representação simbólica da mãe má que os abandonou ou os forçou a abandonar o seu lar) Chapeuzinho oferece alimentação á sua avó, compartilhando com ela a fartura que encontra no seu lar.
Chapeuzinho já pode abandonar o seu lar sem ser empurrada para fora dele ( João E Maria) ,ela não teme o mundo externo e o admira reconhecendo a sua beleza.... aí encontra-se o perigo ! Pode surgir aí o dilema de o mundo fora do lar e do dever se tornar mais atraente, Chapeuzinho correria o risco de basear o seu comportamento no princípio do prazer.
Esta luta, entre o princípio da realidade e o do prazer está oculta nas seduções contidas nas palavras do lobo :” Veja como são lindas as flores ao seu redor.Por que não dá uma olhada? Acho que nunca parou para escutar o canto dos pássaros....aqui na floresta tudo ´e prazer e você está caminhando atenta como quando vai á escola....etc”
Surge ai o conflito entre realizar o que gostamos e o que devemos, de conformidade com a advertência feita, anteriormente, pela mãe de Chapeuzinho .
A fama e a aceitação deste conto vem do fato de que apesar de Chapeuzinho ser uma menina virtuosa ela sofre as tentações e o que lhe acontece indica á criança que não podemos confiar nas intenções de todos, mesmo aqueles que julgamos bons e agradáveis ,isto nos sujeita a armadilhas perigosas.Se ,dentro de nós mesmos,não existisse uma parte de nós que aprecia o lobo mau ele não obteria poder algum sobre nós.Então é a hora de procurar o entendimento de si próprio e de saber o que é atraente para nós mesmos.Por mais atraente que seja sermos ingênuos,não podemos caminhar pela vida sendo ingênuos o tempo todo.

EMOÇÕES VIOLENTAS E SEXUAISA cor vermelha, símbolo das emoções violentas e do sexo, é a tônica que colore todo este conto.Segundo o genial psicanalista Grodeck,” o Chapeuzinho é o símbolo do prepúcio masculino uma transferência prematura da atração sexual”,que é acentuada pelo fato de a avó estar velha e doente, demais até para abrir a porta, acrescenta o psicólogo Bruno Bettelheim. Bettelheim prossegue: “A pessoa imatura, que ainda não está pronta para o sexo,mas é exposta a uma experiência que suscita fortes sentimentos sexuais,recais nas formas edípicas de lidar com ele.A pessoa só acredita então que possa vencer no sexo livrando-se dos competidores mais experientes-daí as instruções específicas que Chapeuzinho dá ao lobo para que este chegue á casa da avó. È como se estivesse dizendo; Deixe-me sozinha,vá ter com vovó que é uma mulher madura; ela será capaz de lidar com o que você representa, eu não sou.”
Na variação dos Irmãos Grimm, uma solução: depois de uma experiência ruim, Chapeuzinho se convence de que ainda é imatura e deve estabelecer aliança com sua mãe ( avó)Tanto a coisa se passa assim, que é a avó, com a sua sabedoria que engendra o estratagema para castigar o lobo e é obedecida pela neta. Juntas, com facilidade dão um castigo exemplar ao lobo.Os Grimm especificam a seguinte questão: o lobo pensa, tenho que acabar primeiro com a avó (mãe) a figura protetora da menina.Depois eu a terei só para mim. Diz Djuna Barnes-“ As crianças sabem de algo que não podem explicar;gostam de Chapeuzinho Vermelho e o lobo na cama.”.
“Chapeuzinho Vermelho , de forma simbólica projeta a menina nos perigos do conflito edípico durante a puberdade, e depois salva-a deles,para que ela possa amadurecer livre de conflitos.”
Através de Chapeuzinho, a menina tende a entender a natureza contraditória do homem:tendências egoistas, associais, violentas e potencialmente destrutivas do id ( homem ). Mas também aprende as propensões altruístas ,sociais , reflexivas do ego ( o caçador) .
Pergunta : então Chapeuzinho Vermelho é uma estória para meninas quase na puberdade? Não, mesmo uma criança de quatro anos se questiona , dentro dos seus limites e tira as suas conclusões corretas ouvindo a trama.

O CAÇADOR

È uma grande figura, muito atraente , tanto para os meninos quanto para as meninas. Ele é o salvador que salva os bons e castiga os maus.”Todas as crianças encontram dificuldades em obedecer ao princípio da realidade, e reconhecem facilmente nas figuras opostas do lobo e do caçador, o conflito entre o id e os aspectos do superego da personalidade.”. O caçador, entretanto, é uma incógnita, de onde vem? É verdade que ele salva Chapeuzinho e a avó e...ponto final. Raciocinamos : onde esteve o pai da menina o tempo todo? O caçador lança a sugestão de que encarna o pai que esteve velado durante todo o desenrolar da estória.Aliás este pai esteve mesmo como “sujeito oculto” em todo o desenrolar da estória, como lobo,” a externalização dos perigos de sentimentos edípicos reprimidos, e como caçador na sua função resgatadora e protetora “.
“Chapeuzinho Vermelho perdeu a sua inocência infantil quando se encontrou com os perigos do mundo e os de dentro dela e trocou-os pela sabedoria que só os que “renascem” possuem: os que não só dominam uma crise existencial, mas também tomam consciência de que era a sua própria natureza que os projetava na crise.”

Fonte: A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS
AUTOR: BRUNO BETTELHEIM
EDITORA: PAZ E TERRA


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 4:20 PM 1 Comentários



sábado, abril 21, 2007


 

Ciência do Imaginário


REFLEXÕES E AS CONTRIBUIÇÕES DE DURAND


por Josélia Neves(1)



O imaginário é o perfume do real.
Por causa do odor da rosa eu digo que a rosa existe!
(Transcrito)
Este artigo se propõe a construir uma reflexão sobre o imaginário a partir de leituras introdutórias que partem da imaginação, bem como de pesquisas referentes aos trabalhos de Gilbert Durand, particularmente a obra, "A Imaginação Simbólica" - referência de estudos no âmbito da temática posta. Pretendemos sistematizar um estudo inicial através de inferências sobre as representações ou as formas simbólicas presentes nas práticas sociais, relacionando os principais conceitos desta ciência emergente.

A produção deste texto representa um esforço no sentido de compreender a constituição do imaginário. Trata-se portanto de um olhar de uma iniciante, daí a idéia de considerarmos leituras também introdutórias, partindo da imaginação para o imaginário, um percurso textual muito semelhante ao que estamos trilhando cognitivamente para apreender a temática posta.

Nosso trabalho foi no sentido de produzir um texto inicial, com características quase didáticas, que possa contribuir na leitura de quem tem poucas informações sobre o imaginário, e nesta perspectiva, se coloca como ponto de partida para outras leituras sobre a questão.

De acordo com Trindade e Laplatine(1996), a imaginação pode ser compreendida como tudo aquilo que não existe, um mundo oposto à realidade concreta. Refere-se a uma produção de devaneios, de imagens que explicam e permitem a evasão para longe do cotidiano. Para estes autores, a necessidade de entendermos a realidade é no intuito de superá-la e, uma das formas possíveis é através da imaginação, uma vez que possibilita chegarmos ao real e até vislumbrá-lo antes deste se constituir em real.

As sociedades ocidentais utilizam a imagem como forma de conhecimento e comunicação social. Acontece que as imagens padronizadas não conseguiram superar as práticas do imaginário como as narrativas orais, o teatro de rua e outras manifestações neste sentido. Fenômeno este identificado por Durand - fundador do Centro de Pesquisa sobre o Imaginário em Grenoble, 1966, como a civilização da imagem já que produz "efeitos perversos e perigosos que ameaçam a humanidade do sapiens".

Nesta perspectiva, a imagem acaba impondo seu sentido a um espectador passivo pois a imagem "pronta" anestesia aos poucos a criatividade individual da imaginação. Há registros de que Bachelard - pensador-referência do imaginário, dava preferência à imagem literária do que a imagem irônica.

Neste sentido este tipo de imagem, é uma forma de violentação das massas, pois o espectador é orientado pelas atitudes coletivas da propaganda, como por exemplo, a ilustração apresentada por Trindade e Laplatine(1996) como o nivelamento que ocorre com o espectador de TV que engole com a mesma voracidade espetáculos de variedades, discursos presidenciais, receitas de cozinhas e notícias catastróficas ou o mesmo "olho de peixe morto" que contempla as crianças que morrem de fome na Somália, a "purificação étnica" na Bósnia ou o arcebispo de Paris subindo a escadaria da Basílica de Montmartre.

Esta anestesia da criatividade do imaginário e o nivelamento dos valores numa indiferença espetacular, são reforçados pela questão da "fabricação das imagens". A sua distribuição escapa de um responsável, isso permite às manipulações éticas e as "desinformações" por produtores não identificados. A famosa liberdade de informação é substituída por uma total "liberdade de desinformação". Pois a imagem sufoca o imaginário.

O imaginário reconstrói ou transforma o real; funciona como uma imaginação transgressora do presente, refere-se a um possível não realizável no presente, mas que pode vir a ser real no futuro. Ex: Júlio Verne transgrediu através do imaginário quando construiu o possível real do futuro: o submarino que permitia conhecer o mundo em 80 dias. Portanto antes de serem pensadas por cientistas, muitas invenções foram vislumbradas por poetas e escritores. Então, a vida social é impossível fora de uma rede simbólica.

Gilbert Durand, citado por Cemin (1998), entende o Imaginário como "o conjunto das imagens e das relações de imagens que constituem o capital do homo sapiens. De sua coleta de imagens, ele retira uma série de conjuntos constituídos em torno de núcleos organizadores (constelações e arquétipos).

Este filósofo e antropólogo, nasceu em 1º de maio de 1921 em Chambéry, na França. Recebeu forte influência de mestres como: Bachelard, Jung, Lévi-Strauss, entre outros. Graduou-se em Filosofia (1947); doutorou-se em Letras (1959). Fundou (1967) e presidiu o Centro de Pesquisas sobre o Imaginário; dentre vários títulos e ocupações, é professor catedrático na Universidade de Grenoble.

Não se atendo as propostas da "moderna ciência ocidental" baseada no racionalismo cartesiano e no positivismo de Comte, desenvolveu a mitodologia - orientação epistemológica que surge na perspectiva de se constituir numa abordagem científica que leva em conta o elemento espiritual e coletivo na concretude da realidade imediata.

A favor da interdisciplinaridade, opõe-se ao dualismo filosófico que coloca em extremos o materialismo e o subjetivismo; através da teoria que desenvolveu, Durand ratifica a retórica da imagem simbólica e reafirma a dimensão dos arquétipos e a força diretiva dos mitos, pois como ele mesmo já afirmou, o imaginário não é uma simples abstração uma vez que segue regras estruturais da hermenêutica.

Ao longo de 15 anos de trabalho, Durand sistematizou uma classificação dinâmica e estrutural das imagens e propôs uma teoria que considera as configurações constelares de imagens simbólicas, a partir de arquétipos(símbolos universais) - as estruturas antropológicas do imaginário - e também uma metodologia sustentada no "método crítico do mito", daí a mitodologia, que supõe duas formas de análise: a mitocrítica e a mitanálise.

A questão do mito, vista mais como relato fantasioso, emerge com muita vitalidade no pensamento de Durand, pois é visto como o ultimo fundamento teoricamente possível de explicação humana - da operacionalização do conceito de mito, o antropólogo desenvolve a sua mitodologia.

Durand vê o mito como um arranjamento de símbolos e arquétipos que se apresenta através de mitemas2 - discurso este relativo ao ser, onde está investida uma crença que propõe realidades instaurativas.

Para a mitodologia de Durand, o imaginário é a referência última de toda a produção humana através de sua manifestação discursiva, o mito, e defende que o pensamento humano move-se segundo quadros míticos. Ou seja para este autor em todas as épocas ou sociedades existem mitos subjacentes que orientam e modelam a vida humana. O propósito do trabalho do filósofo é justamente desvelar os grandes mitos diretivos, isto é aqueles responsáveis pela dinâmica social ou pelas produções individuais representativas do imaginário cultural, no tempo e no espaço.

Quando um mito diretivo manifesta-se através da redundância, é identificado como mitemas obsessivos - aqueles que se repetem de forma recorrente, através da organização de símbolos (que embora nunca sejam um dado a priori, já que apontam para múltiplos sentidos, através da repetição é possível sua classificação, pois neste caso aponta para um único sentido).

A mitocrítica - termo forjado por Durand em 1970, refere-se a um ensaio metodológico em que foram selecionadas as metáforas obsessivas (grupos de imagens que se repetem) e procura interpretá-las mediante o Mito Pessoal do autor.

A noção de mitocrítica de Durand foi desenvolvida "para significar o emprego de um método de crítica literária, de crítica do discurso que centra o processo de compreensão no relato de caráter mítico inerente à significação de todo e qualquer relato". Ou seja, a mitocrítica precisa de um "texto cultural'; o discurso literário, por exemplo está muito próximo do mito em função da narrativa que apresenta, por isso a linguagem mítica é sempre uma linguagem literária.

Os mitemas constitutivos da narrativa mítica, repetem-se e por isso mesmo tornam-se cada vez mais significativos. Um mitema pode ser um motivo, um tema, um objeto, um cenário mítico, um emblema, uma situação dramática, etc.

A mitocrítica - é um método de crítica de texto literário, de estilo de um conjunto textual de uma época ou de um determinado autor que põe a descoberto um núcleo mítico, uma narrativa fundamentadora e o(s) mito(s) que atua por detrás dela. Ela desvela, um nível de compreensão maior que se alinha com os grandes mitos clássicos.

Durand estabelece três momentos para a identificação dos mitemas e do mito diretivo do "texto cultural":

1º) - um levantamento dos "elementos" que se repetem de forma obsessiva e significativa na narrativa e que são as sincronias míticas da obra;
2º) - um exame do contexto em que aparecem, das situações e da combinatória das situações, personagens e cenários, etc.;
3º) - a apreensão das diferentes lições do mito (diacronia) e das correlações de uma tal lição de um tal mito com as de outros mitos de uma época ou um espaço cultural determinados.

Portanto, o mito vai se definindo a partir da organização de símbolos e de um quorum de mitemas, pois o mitema é um "átomo mítico" de natureza estrutural.

Para Durand, os mitemas podem se manifestar, e semanticamente atuar, de dois modos diferentes:

1º) de modo patente - repetido de forma explícita e de conteúdo homólogo;
2º) de modo latente - repetido de forma implícita, pela intencionalidade.

Então, de acordo com o pai da mitocrítica, ela "evidencia, num autor, na obra de uma época e dum meio dados, os mitos diretivos, regentes, e suas transformações significativas. Possibilita mostrar como tal traço de caráter pessoal do autor contribui para a transformação da mitologia epocal dominante ou, ao contrário, acentua tal ou tal mito instituído. Mostra também que cada momento cultural tem certa densidade mítica onde se combinam e se embatem(...) mitos diferentes.

A mitocrítica tende a extrapolar o texto ou o documento estudado, a ampliar para lá da 'obra de civilização' rumo a detecção, pelas 'metáforas obsessivas', que outros autores chamam de Psicocrítica, o 'Mito Pessoal' que rege o destino do individual; mas a mitocrítica, pois que todo 'mito pessoal' é um 'mito coletivo' vivido num/por um ideário, tende a ampliar rumo às preocupações sócio-histórico-culturais. E assim pede, como coroamento, uma mitanálise, que está para um momento cultural e para um dado conjunto social, como a Psicanálise está para a psyche individual".

Isto é, enquanto a mitocrítica está centrada na análise dos mitos de "textos culturais"; a mitanálise, estende a sua análise ao contexto social, como um todo, no sentido de aprender os mitos vigentes diretivos de uma dada sociedade, num período de tempo relativamente extenso e delimitado.

A mitanálise, é um termo que Durand forjou em 1972, levando em conta o modelo da Psicanálise. Trata - se de um método de análise científica dos mitos, que "tenta apreender os grandes mitos que orientam ou (desorientam...) os momentos históricos, os tipos de grupos e de relações sociais", nas palavras do mestre. Por seu intermédio, procede-se a um desvelamento dos movimentos míticos nas sociedades, pois a mitoanálise desloca os métodos da mitocrítica para um campo maior: o do aparelho, das instituições ou das práticas sociais; uma abordagem, portanto, que envolve todo o conteúdo antropológico de uma sociedade - não mais um texto mas um contexto social que envolve igualmente um reagrupamento de núcleos semânticos.

O pressuposto básico da mitanálise é o de que "numa sociedade há mitos tolerados, patentes, que circulam, e mitos latentes, que não conseguem encontrar meios simbólicos de expressão e que trabalham a sociedade a um nível profundo". Por isso mesmo, a mitanálise se faz necessária, no sentido de desvendá-los.

A fisiologia da mitanálise em Durand não permite a formação de novos mitos, mas a dinâmica cultural admite um grande número de variantes de mitos clássicos. A dinâmica cultural pressupõe que os mitos desapareçam e ressurjam ad infinitum, e a História registra seus avanços e recuos.
Durand afirma que, por detrás dos grandes movimentos históricos, houve e há uma arrumação de símbolos e mitos constituintes que representam os desejos da humanidade, pois os mitos motivam os fatos históricos.

O AT - 9 - Teste Arquétipo com 9 elementos foi desenvolvido por Yves Durand a partir da sistematização das estruturas antropológicas do imaginário de Gilbert Durand. Seus resultados validaram a teoria do antropólogo, confirmando sem ambigüidades, a existência das estruturas imaginárias, sistematizadas por aquele, e ainda mostraram-se úteis no campo da Psicopatologia.

A teoria de Durand diz que a imaginação humana representa simbolicamente a angústia humana diante da finitude e da certeza diante da morte. Da mesma forma cria várias imagens que triunfam sobre ela, revelando esquemas primários fundamentais.

O AT-9 refere-se a nove estímulos simbólicos (ou arquétipos): propõe a elaboração de um desenho e de um relato. Os arquétipos são: uma queda, uma espada, um refúgio, um monstro devorador, algo cíclico, um personagem, água, um animal e fogo. O indivíduo fará um desenho utilizando os elementos propostos e depois um relato sobre o desenho. Um questionário adicional colhe as informações complementares. Assim obtém-se um micro-universo mítico onde é possível atualizar e identificar a imagem e sentido referentes à angustia existencial, ponto de partida da teoria do antropólogo.

Muitos outros aspectos aparecem na temática do imaginário, ntretanto selecionamos aqueles que julgamos mais importantes, sem esquecermos que mais que qualquer outra, esta seleção é extremamente fragmentada e reducionista, pois diz respeito a uma coleta que foi feita com poucos elementos, ou seja, do ponto de vista de uma iniciante nos estudos do imaginário, embora não seja demais salientar que também na dimensão simbólica nunca poderemos abarcar e compreender o tudo, ou mesmo o satisfatório, sendo assim a fragmentação não é privilégio só nosso.

Enfim, nos apropriando das contribuições de Cemin, (1998) reafirmamos a validade de esforços neste sentido, pois "é nos limites, nos transbordamentos, nas reduções e complexificações de sentido, que o imaginário investe e multiplica suas metamorfoses e permanências"

Bibliografia
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1982.
LAPLATINE, François; TRINDADE, Liana. O que é imaginário? Col. Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996.
CEMIN, Arneide. Entre o cristal e a fumaça: afinal o que é imaginário? Presença Revista de Cultura e Meio Ambiente. Porto Velho, Fundação Universidade Federal de Rondônia v. 5, no 14. Dez./1998.
NOTAS
1. Discente do Curso de Mestrado em Desenvolvimento Regional. Reflexão produzida a partir das leituras sobre imaginário e particularm ente da obra de Gilbert Durand, "A Imaginação Simbólica" como pré-requisito avaliativo da disciplina Antrpologia Social ministrada pela Profa. Dra. Arneide Cemin – UNIR – junho de 2001
2. Narrativa puramente ficcional. Cada mitema é o portador de uma mesma verdade relativa à totalidade do mito. Ex. Holograma de Edgar Morin - cada fragmento e cada parte contém em si a totalidade do objeto.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 9:38 AM 1 Comentários



domingo, abril 15, 2007


 

A ESTÉTICA PERVERSA


ANAMNESE CULTURAL


por carlos augusto nazareth




UMA ESTÉTICA PERVERSA DO TEATRO INFANTIL
Ao longo dos anos se estabeleceu um conjunto de procedimentos a que chamamos de "estética perversa do teatro infantil”. Uma estética que se instaura em todas as linguagens que envolvem o espetáculo teatral.
Esta estética foi se estabelecendo e pais desavisados e/ou desinteressados passaram a entender esta estética da expressão teatral para crianças como: “teatrinho infantil é assim mesmo” e espichados em suas poltronas, quase adormecidos, mal vêm o que está em cena, enquanto a criança, se muito pequena, fica apenas atenta à mágica teatral – tenta, como num jogo, descobrir a “verdade”, o jogo teatral. Isto revela um total desinteresse pelo espetáculo e então a criança cria o seu próprio “Onde está Willie?” para se divertir.
Se a criança é maior, sua inquietação revela o desinteresse pelo que vai em cena.
O espantoso é que as platéias diminuem dia-a-dia e os produtores olham com naturalidade para este fenômeno.
Os pais não se dão conta que teatros vazios podem denotar espetáculos de má qualidade. Não aproveitam este índice para se perguntar e questionar sobre o valor do espetáculo ao qual estão levando seu filho. E, consequentemente, nem se perguntam o que os espetáculos, construídos a partir desta estético pode ser maléfica em termos da percepção da criança frente a Arte e o perigo de afastá-las do fenômeno artístico, que passa a ser algo chato, sem sentido – desnecessário.
Esta estética vem se construindo há anos por um grupo de produtores, que se alternam na cena carioca e que se aproveitam da inércia do público em busca de algo novo e de qualidade e que acaba aceitando pacificamente estas mistificações.
A escolha do espetáculo a ser visto é feito pelos pais, sem dúvida. Portanto a responsabilidade é total, mas parece que um grande acordo tácito entre produtor, teatro, público e pais, todos pouco preocupados com a ponta deste processo: a criança.
Por falta de informação, falta de preocupação, falta de senso crítico e estético ?
Há por outro lado um grupo de produtores que busca uma produção de qualidade, com textos que tenham algo a dizer, com uma estética instigante, que trate o espetáculo como obra de arte e a criança como um receptor em formação.
No entanto, neste embate, as “armadilhas” ou “arapucas” que não têm o direito de se chamar teatro acabam levando vantagem sobre os bons espetáculos.
Os motivos são vários. Em primeiro lugar a maioria destes espetáculos lidam com os clássicos. Os pais, sem referências para avaliarem os espetáculos em cartaz vêem, através de sua memória afetiva, a possibilidade de levar a seu filho o mesmo prazer que tiveram ao ouvir ou ver aquele clássico quando criança. E ali dentro do teatro apenas se transporta no tempo, abandona o seu senso crítico e na maioria das vezes nem estabelece um julgamento de valor, porque parte do princípio da memória afetiva e o que eles ali vêm não é o real, mas a lembrança do que trazem na memória. Esta inércia dos pais, a falta de senso crítico em relação ao teatro infantil hoje, fazem com que os pais continuem levando as crianças a este tipo de espetáculo, estimulando os maus produtores, que só quererem montar os clássicos, porque sabem que - por estas razões - têm um público garantido: os pais em busca do tempo perdido.
Mas isto não se dá evidentemente só com os clássicos. Esta estética perversa se estende a qualquer texto produzido por este segmento de produtores que acredita que pensa poder definir de forma estática o que seja teatro para criança, que acredita que já descobriu a fórmula e que só há uma coisa a fazer – repetir esta fórmula.
Esta estética perversa, a inércia do público em questioná-la, a visão apenas mercantilista destes produtores, a ausência e negação da crítica especializada, a falta de espaço de discussão vão aos poucos transformando o teatro infantil num dragão de sete cabeças, tornado-o um fenômeno, por vezes, incompreensível.

A recepção do espetáculo teatral
OS PAIS Os pais que estão acompanhando seus filhos aos espetáculos nos teatros - têm uma expectativa sobre a reação deles. Evidentemente o pai que leva o filho ao teatro quer ter feito uma boa escolha. Quer que a criança curta o espetáculo. Com isto há um comportamento estereotipado de grande parte dos pais.
Ouve-se à entrada: “o palhaço vai aparecer, nós vamos bater palmas, cantar junto com eles” E nem palhaço a peça tem. E ao primeiro acorde, quem, ansiosamente inicia a bater palmas são os pais e durante o tempo todo do espetáculo incitam a criança, instigam, excitam. Os pais precisam de alguma resposta de seus filhos estão para se tranquililzarem de que “acertaram”. E ficam todo o tempo perguntando “está gostando, filho?” E interferindo todo o tempo chamando a atenção para isto ou aquilo que o pai acha interessante, recontando a história, enfim, impedindo que a criança se entregue ao espetáculo. TEntando suprir com sua ansiedade a mágica que aquele espetáculo não tem.

A CRIANÇA
Sem dúvida nesse processo de seleção do que ver, a criança é sempre conduzida - apenas eventualmente consultada - ao espetáculo a ser assistido. O teatro não é um assunto a ser conversado. Os pais decidem que este é o melhor espetáculo. E o melhor espetáculo muitas vezes é escolhido pela sua proximidade de casa, por ter estacionamento... Poucos são os pais que tentam se informar sobre eles e a partir daí conversarem com as crianças, animá=las , incentivá-las, deixando-lhes um mínimo de margem de decisão.
E assim a criança é exposta a esta estética perversa que vai formando o seu gosto estético de forma distorcida e equivocada.
Gosto não se discute? Se discute sim. Nada pior do que expor a criança a um numero limitado de possibilidades artísticas de má qualidade. Isso não só acontece com o teatro mas com a música, o cinema, a literatura. O pai consciente e crítico tem que estar atento à qualidade do que oferece á criança, assim como na maioria das vezes está á alimentação (nem sempre). Há uma máxima que diz: “Você é o que você come” Isto também acontece para o alimento da sensibilidade, do humano.

A ESCOLA
A Escola, na maioria das vezes não cumpre o seu papel. Não acreditamos que caiba a escola levar a criança ao teatro ou trazer o teatro à escola, mas com certeza cabe à escola incentivar e motivar a participação da criança no universo da Arte, como complemento indispensável na formação do ser humano.
Muitas vezes a escola quer se servir do teatro para atender as suas necessidades pedagógicas. O velho problema das datas comemorativa, hoje já até nem tão corrente, mas os PCN, temas transversais, enfim, a escola olha para o teatro como uma complementação pedagógica, quando o teatro, apesar de ter várias facetas, tem que ser visto principalmente como Obra de Arte. E aí ele tem a sua função em si mesmo. Não tem que haver um “aproveitamento” após o espetáculo como tanto gostam as escolas. O espetáculo teatral de qualidade cumpre totalmente sua função em si mesmo. Assistir é o bastante.Conversar informalmente sobre o espetáculo, motivar antecipadamente, tudo bem, mas atividades escolares decorrentes minimizam a ação do teatro, didatizam a obra de arte, escolarizam a expressão artística, afastam a criança deste universo.
Mas algumas escolas confessam se sentirem inaptas para trabalhar com este universo. Então que seja buscada, por ela, por sua responsabilidade, uma assessoria especializada. E neste mesmo cunho de sensação de inaptidão as escolas não oferecem à criança a literatura dramática, justificando-se dizendo que não há publicações de textos teatrais, o que não é verdade, embora este seja um problema grave que merece uma discussão à parte. Na verdade há uma sacralização do texto teatral. Os professores trabalham com os alunos as diversas linguagens - o jornal, o conto, a crônica, a publicidade e por que não a literatura dramática?

OS TEATROS
Os teatro, por sua vez, como “casa de espetáculos” são responsáveis sim por sua programação. Têm que escolher, selecionar o que há de melhor para oferecer a seu público. No entanto não é o que acontece. Teatros, dos melhores, acolhem em sua programação muitos destes espetáculos construídos dentro desta estética perversa. Os shoppings são mestres em exibir os espetáculos feitos sob a égide da estética Disney piorada. O que importa ao teatro é receber o valor mínimo do aluguel e não deixar “furo” em sua pauta, pois os próprios progamadores pouco estão interessados em avaliar os espetáculos que ali vão se apresentar. Um projeto é um enigma difícil de ser decifrado mesmo para os profissionais mais experiente. O que norteia esta decisão normalmente é a qualidade gráfica do projeto. É a estética do projeto que é avaliado, não a estética do espetáculo. Outro mal do teatro infantil são os clubes, que colocam qualquer espetáculo, sempre clássicos da pior qualidade como texto, como produção, como elenco e oferecem à criança que está ali a seu alcance e que o pai “manda pro teatrinho” para ele poder ficar mais à vontade no clube. E estes espetáculos ficam acima do bem e do mal, pois como já se sabe a falta de qualidade que têm, a crítica especializada a eles não vai, os jurados de prêmios de gabarito a eles não assistem. Como os pais não estão preocupados em se informar sobre eles, sobrevivem a custa dos sócios do teatro revezando as mesmas peças anos a fio, as vezes com o mesmo produtor ocupando dois horários e até mesmo dois ou três espetáculos em clubes diferentes.

OS PROGRAMAS DE APOIO AO TEATRO
Os patrocínios públicos ou privados não vêm no teatro infantil um bom investimento. Se privados, comercialmente não é de interesse da maioria das empresas; se público, politicamente não causa nenhuma repercussão a concessão de patrocínioa aos espetáculos infantis. Portanto aqui começa a se tornar visível a ponta do “iceberg” > Sem patrocínio, hoje, muito, mas muito difícil se construir um bom espetáculo e entrar em cartaz, com profissionalismo e competência. Há quem diga – se não há patrocínio não há teatro.
Portanto os profissionais de teatro cada vez mais se vêm cerceados de produzir bons espetáculos e aí começa a se desmanchar um castelo de cartas. Sem patrocínio, não temos bons espetáculos, sem informação na mídia, impossível saber o que é bom o que é ruim, a exposição da criança a estes espetáculos construídos dentro desta estética perversa ao os faz freqüentadores de teatro e deformam a sua recepção desta obra de arte. Daí os teatro cada vez mais vazios, e daí cada vez piores os espetáculos. E isto abre espaço para que os “aproveitadores” se instalem nesses espaços e que fiquem satisfeitos com trinta espectadores na sala porque são arapucas de pessoas que como não têm competência nem qualidade se satisfazem com uma remuneração irrisória.

A MIDIA A Midia abandonou completamente o teatro infantil. Hoje não há crítica especilizada em nenhum jornal. Ressalva para a Vejinha que não faz propriamente uma critica mas coloca uma resenha critica dos melhores espetáculos escolhidos por uma jornalista competente.
Há jornais que dizem tranquilamente – teatro infantil não interessa ao grande público. Claro, quando numa semana uma das manchetes de um dos principais jornais do país coloca como manchete “Bruna Surfistinha acha que Cicarelli extrapolou” isto é suficiente para se entender a política que rege o quarto poder ( ou segundo?)
O já mal conduzidos cadernos de cultura dos nossos jornais quando tratam de matéria de Arte para adultos não abrem espaço para que seja discutida a relação cultura e criança.
Há editores do caderno de cultura de grandes jornais que sabidamente detestam teatro infantil. E aí entraríamos na discussão do preconceito em relação ao infantil que é um fato ontológico, que não caberia aqui discutir.


Os meandros da estética perversa deste dito teatro, dito infantil O TEXTO
Comecemos pelo texto. Comecemos pelas adaptações.
Por que um dramaturgo escolhe um determinado texto para adaptar? Evidentemente porque há algo que o texto diz que ressoa naquele que faz a adaptação. O texto diz coisas que o dramaturgo considera como se fossem suas. E coisas que ele considera importantes, que ele acredita devam ser ditas para seu público-alvo. Esta consciência do por que adaptar, que se afasta de uma visão puramente mercadológica, é o primeiro passo para um bom trabalho. Aqui estamos falando das adaptações, mas isto vale para os textos inéditos, com certeza.
As adaptações dos clássicos deixam de lado a essência da história, que as fez atravessar anos, narrativas fundantes, mitos que se tornaram textos populares, transmitidos através da tradição oral. Esta essência TEM que estar na adaptação. E o que acontece é que os adaptadores normalmente pegam a tênue trama destes contos e só se importam com ela, modificando-a, “atualizando-a” de modo absurdo, onde celulares, shoppings, Hebe Camargo e Xuxa geralmente estão presentes. O sumo, o suco, a essência, o mítico é deixado de lado, talvez porque nem percebam a existência desta lado, talvez porque não estudem, não pesquisem aquilo que vão adaptar.
Os textos originais, que buscam criar tramas originais, novas, padecem de problemas semelhantes, pois muitas vezes os autores na realidade não têm o que dizer. E se expressar artisticamente pressupõe uma necessidade vital de dizer algo importante para alguém. Este talvez seja o maior malde muitos textos originais que têm estado no palco nos últimos anos – não ter o que dizer. Esta falta do que dizer aliada a uma falta de técnica de dramaturgia estabelece o primeiro preceito desta estética perversa do teatro infantil – o vazio do que dizer.

O ELENCO
Outro grande “fantasma” desta estética é a interpretação dos elencos. Os atores “cantam” as falas, exageram, canastram, ilustram, não se movimentam, não criam imagens (aí já ficamos por conta da direção) permencendo em cena em semi-círculo, dando o texto com péssima articulação, péssima projeção, porque qualquer um se acha apto a fazer teatro infantil.
O que é ser ator de teatro infantil? Subir no palco e fazer a criança rir. E tem ator que diz. “ah... teatro infantil? Eu sou muito rápido pra “pegar” o personagem.” Ignora totalmente qualquer necessidade de compreensão do personagem, de sua trajetória, enfim, é apenas decorar um texto (já vi ensaio de teatro infantil ser feito por dois atores que nunca haviam se visto “bater o texto’ por telefone e se encontrar no dia do espetáculo. Tudo isto porque teatro infantil é menor, é muito fácil de fazer. Esta falta de profissionalismo e mais do que isso eu diria de ética, é um dos baluartes desta estética perversa do teatro infantil.
Pessoas que NUNCA foram atores, não se furtam a subir num palco de um espetáculo infantil e se dizerem atores, e a dizer que fazem teatro e pior – convidar os amigos para vê-los em cena.

A PRODUÇÃO
Por toda a cadeia que expusemos acima que acaba inviabilizando o bom teatro apenas os maus produtores que reciclam figurinos, improvisam cenários, pagam cachês miseráveis a não-atores, acabam sobrevivendo e ocupando espaços por vezes nobres do espaço teatral.
Este segmento chamado produção está relacionado diretamente com a falta de dinheiro, a falta de patrocínio, a falta de apoio, a falta de divulgação, a falta de público.
E aí temos uma luz – fundamental no teatro – improvisada, cenários mal acabados e aproveitados, figurinos inadequados porque na maioria das vezes reaproveitados, trilha sonora da pior qualidade técnica, enfim, uma cadeia ininterrupta de uma crise que vai da criação do texto ao final da temporada.

Mas o artista tem uma capacidade de resistência inacreditável, porque alimentado por paixão e arte consegue resistir e sempre há movimentos para resgatar a qualidade do teatro infantil. E é importante que se diga que o artista não pode viver só de paixão e arte. Precisa de dinheiro, mas não do dinheiro ganho dolosamente com falsos espetáculos ditos teatrais, ditos infantis. Ganhar dinheiro por um trabalho profissional, digno e de qualidade desenvolvido pelos profissionais.


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quinta-feira, abril 05, 2007


 

ANTROPOLOGIA DA CRIANÇA


ANTROPOLOGIA DA CRIANÇA


por Renato Sztutman




Por uma antropologia da criança
Obra de Clarice Cohn defende que proposições infantis têm muito a ensinar sobre o pensamento adulto
Em seus primórdios, que remontam a meados do século XIX, a antropologia engajava-se na busca de uma “infância da humanidade”. Guiados por pressupostos evolucionistas, os antropólogos partiam ao encontro das assim chamadas “sociedades primitivas”, passando, alguns deles, a compará-las às crianças, uma vez situadas em estágios supostamente iniciais (e “inocentes”) de um ciclo de desenvolvimento inescapável, que não era individual, mas sim coletivo. Esses argumentos, vale lembrar, eram recuperados por Freud em “Totem e tabu” (1913).
Claude Lévi-Strauss desmontou essas associações estapafúrdias, atentando, já nos primeiros capítulos de “As estruturas elementares do parentesco” (1949), para o fato de que os “primitivos” são, sim, dotados de um pensamento racional e lógico, um pensamento propriamente adulto.
Baseado em pesquisas de psicologia cognitiva e do desenvolvimento de sua época, Lévi-Strauss lembra também que, se todas as sociedades distinguem crianças de adultos, relegando as primeiras a uma condição de incompletude, isso não significa que as crianças sejam incapazes de elaborar sínteses e reflexões, pois seu pensamento, longe de se reduzir a uma “tabula rasa”, subordina-se às mesmas exigências e formas fundamentais do pensamento adulto. No entanto, no afã de afirmar o caráter adulto do pensamento e das práticas indígenas, o autor acabou por deixar de lado a questão da criança contentando-se em apontar nela a coexistência de múltiplas estruturas, a possibilidade de agregar muitos universos de sentido.
De modo geral, o tema da criança sempre causou certo incômodo para a antropologia. Por esbarrar em problemas que dizem respeito a mecanismos cognitivos e ciclos de desenvolvimento supostamente universais, este assunto foi muitas vezes deixado para a psicologia e para as ciências da educação. Um pequeno livro recém-lançado, “Antropologia da criança”, de Clarice Cohn, chegou, no entanto, para questionar essa opção, demonstrando, a partir de um balanço da literatura disponível, que é possível não apenas empreender uma nova abordagem antropológica sobre a criança, mas também reencontrar, em diversos momentos da história da disciplina, reflexões reveladoras sobre o tema.

Visões da antropologia
Uma das questões enfrentadas pela autora, que procura dialogar com um público bastante amplo, diz respeito à natureza de uma abordagem antropológica sobre a criança e às vantagens que esta pode oferecer em relação a outras abordagens, por exemplo, psicológicas.
Cohn sustenta, antes de tudo, que uma investigação antropológica do tema deve ter em mente que as concepções do que vem a ser criança, desenvolvimento e capacidade de aprender não podem ser dissociadas do contexto sociocultural e histórico de onde provêm. Baseada no estudo clássico de Philippe Ariès, “A criança e a vida familiar no Antigo Regime”, Cohn ressalta que a infância -o “sentimento de infância”- deve ser tomada como um modo particular de pensar a criança, comum na sociedade ocidental contemporânea, mas não à sociedade de corte setecentista e muito menos a um grande número de populações do passado e do presente.
Cohn toma a abordagem antropológica em termos alargados. Em primeiro lugar, sinaliza que a antropologia não deve ser reduzida unicamente ao seu método canônico, a pesquisa de campo e a observação participante, como propostos por Bronislaw Malinowski. Ela pode também se valer de fontes históricas, que permitem decifrar os modos de vida dos povos do passado. Cohn evidencia, além disso, que a antropologia não implica apenas o estudo de outros povos, mas pode falar de “nós mesmos”, desde que se mostre capaz de desconfiar de noções enraizadas ou mesmo naturalizadas, como o próprio “sentimento de infância”. Em suma, o que a autora supõe como propriamente antropológico é essa tarefa de desvendar contextos socioculturais e históricos, o que exige o flerte com a história e a sociologia.
Em seu percurso pela história da antropologia, a autora nos apresenta, primeiramente, às posições da escola culturalista norte-americana e da escola estrutural-funcionalista britânica. Para ela, tanto a noção de “personalidade padrão”, abraçada pelos culturalistas, como a de “socialização”, defendida pelos funcionalistas, perdem de vista o lugar da criança como ator social, ou seja, como produtor de significados e não apenas suporte para a modelagem pela cultura ou pela sociedade, ambas tomadas como totalidades definitivas e acabadas, simplesmente reproduzíveis.
Cohn se aproxima, ainda que de modo inconfessado, do legado de Marcel Mauss, quando sustenta que, para compreender o que vem a ser uma criança (e, por conseguinte, um adulto), é antes preciso compreender, para a sociedade em que se estuda, o que vem a ser uma pessoa. Este ponto se torna bastante claro quando a autora apresenta, de modo muito sucinto, sua experiência com os Kayapó Xikrin (Pará).
Ela aponta, entre eles, diferentes processos que atuam na fabricação da pessoa, e que vão desde a intensa atividade sexual no período da gestação (necessária, segundo os Xikrin, para a constituição do bebê) até os cuidados para que a alma não se desprenda do corpo (o que acarretaria a morte), passando também pelas práticas de nominação. Para os Xikrin, que levam a sério a divisão dos indivíduos por categorias de idade, feitas visíveis com a pintura e na ornamentação corporal, o que define um adulto propriamente dito é o fato de ele possuir filhos. Antes disso, um indivíduo permanece criança, ser incompleto que pode tudo, mas que ainda não é.

Do ponto de vista da criança
Cohn passa, de maneira nem sempre mediada, de análises que privilegiam o ponto de vista dos adultos sobre as crianças para outras que buscam apreender o ponto de vista das próprias crianças. Nessas últimas análises, a criança seria deslocada da condição de objeto de uma reflexão nativa para a de sujeito de sua própria ação e reflexão.
A criança, evidencia a autora, atua na criação de relações sociais e nos processos de aprendizagem e produção de conhecimento. A partir de sua interação com outras crianças -por exemplo, por meio de brincadeiras e jogos- ou com os adultos, elas acabam por constituir seus próprios papéis e identidades. Para dar sustentação a essas idéias, Cohn passeia por diversos exemplos. Entre os já mencionados Xikrin, ela sugere que a aprendizagem se dá na observação cotidiana das atividades dos adultos por meio de um aguçamento de sentidos, como a visão e a audição. Entre os Saramaká do Suriname, grupo quilombola estudado por Richard Price, ela destaca uma forma “fragmentada” de transmissão de conhecimento, que exige das crianças que elas produzam suas próprias sínteses. Entre os meninos de rua da cidade de São Paulo, retratados em um livro de Maria Filomena Gregori, ela aponta a configuração, na experiência da constante circulação pelo espaço urbano, de um conjunto particular de regras e códigos.
O grande desafio para uma antropologia da criança, como indicado neste livro, consiste em como apreender o ponto de vista dela sobre a realidade social. Se concordamos com Malinowski que a antropologia deve reconstituir os processos sociais a partir do ponto de vista do “nativo”, seja ele quem for, o que se deve fazer quando o “nativo” não é um “outro” adulto, mas uma criança? Não basta, assim, pensar como os adultos de uma dada sociedade pensam as crianças, mas, diferentemente, como as crianças pensam a si mesmas e, o que pode ser ainda mais interessante, o mundo dos adultos. Nessa direção, Clarice Cohn sugere: “A criança não sabe menos, ela sabe outra coisa”.
Com relação a esse desafio, Cohn confere destaque especial às reflexões da antropóloga britânica Christine Toren sobre as crianças em Fiji. Toren, que possui formação em psicologia, combina técnicas de pesquisa dessa disciplina, como as análises de desenhos temáticos, que perseguem mecanismos cognitivos, a técnicas de pesquisa em antropologia, como a famosa observação participante.
Toren conclui que, numa sociedade fortemente pautada por critérios hierárquicos, as crianças muitas vezes invertem as proposições dos adultos, tomando as causas da hierarquia como seus efeitos, e vice-versa. Isso não significa, contudo, que elas não compartilhem o mesmo sistema simbólico ou que não compreendam o significado de suas mensagens. As crianças fijianas explicitam o que os adultos sabem, mas não conseguem expressar, talvez por sentirem vergonha. Disso decorre que tomar o ponto de vista das crianças pode ser importante não apenas para apreender o modo como elas pensam o mundo e a si mesmas, mas também como pensam os adultos, mesmo quando, para eles, o pensamento delas parece impensável.
É preciso, como lembrava Lévi-Strauss em “As estruturas elementares”, atentar não apenas para as diferenças, mas para as semelhanças entre adultos e crianças ou, como sinaliza Clarice Cohn, promover a comunicação entre esses dois mundos que, na nossa sociedade, sobretudo, são concebidos como demasiadamente descontínuos. As proposições infantis, por absurdas que possam parecer, têm muito a ensinar sobre o pensamento adulto, tanto em suas propriedades cognitivas mais gerais como em seus aspectos mais particulares. Esse interesse pelo ponto de vista da criança, fruto de uma inversão analítica, parece-me certamente o traço mais forte da síntese oferecida em boa hora por Cohn. Anuncia-se, assim, um desafio teórico e metodológico, ainda pouco explorado, que poderá ser perseguido em pesquisas futuras.
Gostaria de encerrar essa resenha com outra metáfora, não mais do “primitivo”, mas do antropólogo como criança, metáfora empregada pelo norte-americano Anthony Seeger para se referir às suas primeiras pesquisas de campo entre os Suyá, do Parque Indígena do Xingu (Mato Grosso). Para Seeger, todo antropólogo em contato com uma população estranha, deve abrir-se para um novo processo –criativo- de aprendizagem. Isso não significa desfazer-se de toda a sua bagagem cultural, o que seria improvável ou mesmo absurdo, mas se deixar invadir pela possibilidade de outros modos de pensar e de agir. Temos, antropólogos ou não, muito o que aprender com as crianças -com as nossas e com as dos outros.
O livro:
“Antropologia da criança”, de Clarice Cohn. Jorge Zahar Editor. 60 págs. R$ 18,50.
Renato Sztutman
É doutorando em antropologia social pela USP e co-editor da revista "Sexta Feira".


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