Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

Conteúdo Atualizado Semanalmente



sábado, novembro 24, 2007


 

Literatura e Teatro


EM BUSCA DE UMA LITERATURA INFANTIL DE QUALIDADE


por Léo Cunha




Introdução
Teatro e Literatura caminham sempre muito próximos, principalmente quando a ponte é o texto. Teatro é literatura. Literatura dramática. Um texto grávido de um espetáculo teatral, por isso considerado um texto intermediário que se completa no palco - ou no imaginário do leitor. Por isso o que Léo Cunha nos fala dos textos dos livros infantis se aplicam em sua totalidade ao texto teatral infantil.
carlos augusto nazareth


Mas o que vem a ser, afinal, a boa literatura infantil?

Existem hoje, no mercado brasileiro, mais de 5 mil livros catalogados como literatura infantil e mais 3 mil considerados juvenis. Além disso, centenas de novos títulos são publicados anualmente, por quase 100 editoras de todo o país. Será possível conhecer todo este acervo? Será viável? A resposta parece ser negativa, principalmente se considerarmos que várias das editoras não têm distribuição em todo o território nacional.

Mas outra pergunta parece ainda mais relevante: será preciso conhecer todos estes livros? Mais uma vez, a resposta é não. Afinal (como acontece aliás em toda e qualquer forma de arte) uma boa parte destes títulos é de qualidade discutível, em termos de qualidade literária, qualidade das ilustrações, produção gráfica, ideologia, etc... Mais importante que conhecer uma enorme quantidade de livros, portanto, é ser capaz de analisar e discutir a qualidade das obras a que se tem, efetivamente, acesso.

Mas o que vem a ser, afinal, a boa literatura infantil? É evidente que os critérios aqui apresentados têm um viés pessoal, mas, de modo geral, correspondem ao que a maioria dos teóricos vêm apontando.

a) Em primeiro lugar, o bom livro é aquele que aposta na inteligência da criança. É fundamental ter sempre em mente que a criança é menor somente em idade e tamanho. Quando se trata de inteligência, sensibilidade, criatividade, emoção, ela empata – e freqüentemente goleia – o adulto. É mais aberta e disponível para surpresas, abraça melhor as novas idéias. A menos que já tenha sido condicionada a engolir obras menos elaboradas, moralistas, ou toda esta produção em série que o mercado despeja e o adulto (pai, tio, professor) endossa.

Assim, o leitor deve desconfiar de livros que tentam explicar tudo (fatos, acontecimentos, mudanças, causas e conseqüências, etc) tim-tim por tim-tim para o leitor. Há boas chances de o autor estar duvidando da capacidade de compreensão e raciocínio da criança.

Como já foi lembrado no início deste capítulo se você achar o livro bobo, simplório, a criança quase certamente vai concordar.

b) O livro infantil deve ser Literatura – ou seja, Arte – antes de mais nada. Se um livro está mais preocupado em ensinar alguma coisa do que em contar uma história (ou tecer um poema), mau sinal. O autor deve estar confundindo Literatura com Pedagogia, com Catecismo, com Educação Moral e Cívica...

Existem muitos livros, catalogados como literatura infantil, onde a história serve de pretexto para o autor ensinar o leitor a escovar os dentes, evitar piolhos, plantar árvores, cuidar das baleias, honrar a bandeira nacional, etc e tal. É claro que todas estas atividades são dignas e nobres, mas ensiná-las não é dever do escritor. Fanny Abramovich, no livro “Literatura Infantil - gostosuras e bobices”, lembra que

"é através duma história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra ótica... É ficar sabendo História, Geografia, Filosofia, Política, Sociologia, sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula... Por que, se tiver, deixa de ser literatura, deixa de ser prazer e passa a ser Didática.”

Didatismo e moralismo não combinam nem com a literatura nem mesmo com as perspectivas mais modernas da educação. O sócio-interacionismo, por exemplo, afirma que o professor não deve dar a resposta pronta ao aluno, e sim instigá-lo a encontrá-la. Além disso, na pré-escola, o professor deve brincar junto com o aluno, ser mais um na brincadeira e não chegar para resolver os conflitos, pois o aprendizado acontece através da ação e não de conselhos ou outro tipo de ensinamento disfarçado.

É automático o paralelo com o livro infantil. Ele não pode dar respostas prontas, morais-da-história. Da mesma forma, o livro deve ser fonte de prazer e descoberta, deve ser mais um na brincadeira, possibilitando à criança viajar, imaginar, refletir, criar.

O livro moralista ou com interesse pedagógico acaba se assemelhando a mais uma disciplina, mais um ensinamento, mais uma lição a ser aprendida obrigatoriamente e da maneira mais convencional.

Por outro lado, um livro não-moralista não significa um livro amoral, ou imoral. Não significa, também, que o autor deva ser omisso, ou não tenha o direito de expressar opiniões e pontos de vista. Em toda obra de arte, estará presente, inevitavelmente, a visão de mundo do artista.

c) Outra característica da boa literatura infantil é tratar a criança sem paternalismo, sem condescendência. Livros infantis recheados de inhos (a menininha bonitinha que estava brincando no parquinho...) pensam estar facilitando a leitura, tornando-a mais agradável, ou mais próxima do leitor, sem perceber que a própria criança não usa nem abusa desses expedientes.

Existem exceções, é claro, mas apenas para confirmar a regra. É o caso da linda história “A pontinha menorzinha do enfeitinho do fim do cabo da colherzinha de café”, onde Elvira Vigna usa os diminutivos reiterados com a intenção de revelar, pouco a pouco, os esforços da personagem principal para tratar de um passarinho.

O paternalismo também surge quando o livro pasteuriza uma questão difícil – seja a morte, a religião, a inveja, a ecologia, os palavrões – e a narra de maneira superficial, apresentando soluções simplistas, forçadas. Fanny Abramovich, na obra citada acima, sugere a melhor maneira de tratar qualquer assunto:

"sem medo, sem reservas, sem fugir das questões principais ou fazer de conta que não existem... Ou colocando num parágrafo – cheio de evasivas – mil explicações, às vezes até confusas ou atabalhoadas, não dando nem tempo para que a criança-leitora pense, elabore, resolva, se identifique, concorde, discorde, critique, negue, etc, a forma como tal ou qual questão está sendo explicada/proposta/vivida/ resolvida/lidada."

Já tive a oportunidade de conversar com muitos alunos e professores que leram meu livro “Pela estrada afora”, e um grande mérito que eles costumam perceber no texto é justamente a forma franca e verdadeira – mas não pesada – como tratei de temas difíceis e doloridos (a morte e o palavrão).

Não custa lembrar, ainda, que as tentativas de facilitação da história funcionam como facas de dois gumes. Livros fáceis costumam ser lidos rapidamente e esquecidos ainda mais depressa. O ecritor francês Paul Valéry repetia sempre que, em toda a sua vida, os livros que o marcaram apresentavam algum nível de dificuldade durante a leitura.

d) Nenhum livro tem obrigação de ser ousado, ou inovador. Mas, de forma geral, os melhores livros infantis, os que marcam, são aqueles que revelam uma preocupação do autor (e do ilustrador) em fugir ao óbvio, ao corriqueiro. Seja na linguagem, seja na escolha do tema, seja na estrutura narrativa, essa postura foge às fórmulas consagradas, aos modismos, e cria obras únicas.

Os modismos são uma verdadeira praga na indústria da literatura infantil. Se um livro com o tema “adolescente grávida” começa a fazer sucesso entre os jovens, várias editoras se sentem tentadas (ou mesmo obrigadas) a publicarem livros com o mesmo tema. Se a onda é “troca de correspondência”, logo surge uma enxurrada de livros do gênero. Isso se repete com os temas mais variados: separação dos pais, uso de drogas, ecologia, dinossauros, duendes, anjos, etc.

O problema é que estas fórmulas costumam se esgotar rapidamente, o interesse pelo assunto – que era efêmero – entra em baixa, é substituído por outros e, como resultado, o mercado fica abarrotado de livros menos ou mais parecidos sobre aquele tema. De modo geral, apenas uma minoria desses acaba resistindo ao tempo. Justamente os que possuem qualidade literária.

Ora, para pensar a literatura infantil como algo mais do que um produto da "indústria cultural", para considerá-la e desejá-la uma arte que crie obras razoavelmente duradouras, que alcancem alguma permanência no tempo, deve-se estar atento para estes livros cuja preocupação é claramente aproveitar um filão, entrar na onda.

Outro engano digno de nota é imaginar que a criança só se interessa por livros engraçados, divertidos. É claro que o humor facilita a aceitação de um livro, mas não pode virar receita de bolo. Na literatura infantil, mestres do humor como Sylvia Orthof, João Carlos Marinho, Edy Lima, Eva Furnari, Elvira Vigna, José Paulo Paes e Fanny Abramovich sabem que o humor, por si só, não basta: piadas são engraçadas, mas nem por isso são literatura. Uma boa história, ou um bom poema, precisam estar por trás da graça.

Por outro lado, um livro sério, profundo, tenso, ou mesmo triste, pode ser apreciado pelas crianças, mesmo que não satisfaça essa procura da criança pelo humor (ou outros desejos). Para isto, ele deve possuir outras qualidades literárias, seja a poesia, a fantasia, a ambigüidade poética, o estranhamento do óbvio. A literatura infantil brasileira tem exemplos e mais exemplos de autores que apostam freqüentemente nesta trilha: Bartolomeu Campos Queirós, Vivina de Assis Viana, Antônio Barreto, Joel Rufino, Mirna Pinsky, Sérgio Caparelli, Lino de Albergaria, Roseana Murray, Celso Sisto, Roger Mello, e outros tantos.

Este texto é um trecho do artigo “Literatura Infantil e Juvenil”, que publiquei no livro “Formas e Expressões do Conhecimento”, editado pela Escola de Biblioteconomia da UFMG em 1998. Traz algumas considerações sobre os livros infantis no Brasil.
SITE OFICIAL DO ESCRITOR LEO CUNHA
http://www.leocunha.jex.com.br/


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 4:20 PM 0 Comentários



segunda-feira, novembro 12, 2007


 

ANTROPOLOGIA DA CRIANÇA



Renato Sztutman




Obra de Clarice Cohn defende que proposições infantis têm muito a ensinar sobre o pensamento adulto

RESENHA: “Antropologia da criança”, de Clarice Cohn. Jorge Zahar Editor, por Renato Sztutman, doutorando em antropologia social pela USP
Em seus primórdios, que remontam a meados do século XIX, a antropologia engajava-se na busca de uma “infância da humanidade”. Guiados por pressupostos evolucionistas, os antropólogos partiam ao encontro das assim chamadas “sociedades primitivas”, passando, alguns deles, a compará-las às crianças, uma vez situadas em estágios supostamente iniciais (e “inocentes”) de um ciclo de desenvolvimento inescapável, que não era individual, mas sim coletivo. Esses argumentos, vale lembrar, eram recuperados por Freud em “Totem e tabu” (1913).
Claude Lévi-Strauss desmontou essas associações estapafúrdias, atentando, já nos primeiros capítulos de “As estruturas elementares do parentesco” (1949), para o fato de que os “primitivos” são, sim, dotados de um pensamento racional e lógico, um pensamento propriamente adulto.
Baseado em pesquisas de psicologia cognitiva e do desenvolvimento de sua época, Lévi-Strauss lembra também que, se todas as sociedades distinguem crianças de adultos, relegando as primeiras a uma condição de incompletude, isso não significa que as crianças sejam incapazes de elaborar sínteses e reflexões, pois seu pensamento, longe de se reduzir a uma “tabula rasa”, subordina-se às mesmas exigências e formas fundamentais do pensamento adulto. No entanto, no afã de afirmar o caráter adulto do pensamento e das práticas indígenas, o autor acabou por deixar de lado a questão da criança contentando-se em apontar nela a coexistência de múltiplas estruturas, a possibilidade de agregar muitos universos de sentido.
De modo geral, o tema da criança sempre causou certo incômodo para a antropologia. Por esbarrar em problemas que dizem respeito a mecanismos cognitivos e ciclos de desenvolvimento supostamente universais, este assunto foi muitas vezes deixado para a psicologia e para as ciências da educação. Um pequeno livro recém-lançado, “Antropologia da criança”, de Clarice Cohn, chegou, no entanto, para questionar essa opção, demonstrando, a partir de um balanço da literatura disponível, que é possível não apenas empreender uma nova abordagem antropológica sobre a criança, mas também reencontrar, em diversos momentos da história da disciplina, reflexões reveladoras sobre o tema.

Visões da antropologia
Uma das questões enfrentadas pela autora, que procura dialogar com um público bastante amplo, diz respeito à natureza de uma abordagem antropológica sobre a criança e às vantagens que esta pode oferecer em relação a outras abordagens, por exemplo, psicológicas.
Cohn sustenta, antes de tudo, que uma investigação antropológica do tema deve ter em mente que as concepções do que vem a ser criança, desenvolvimento e capacidade de aprender não podem ser dissociadas do contexto sociocultural e histórico de onde provêm. Baseada no estudo clássico de Philippe Ariès, “A criança e a vida familiar no Antigo Regime”, Cohn ressalta que a infância -o “sentimento de infância”- deve ser tomada como um modo particular de pensar a criança, comum na sociedade ocidental contemporânea, mas não à sociedade de corte setecentista e muito menos a um grande número de populações do passado e do presente.
Cohn toma a abordagem antropológica em termos alargados. Em primeiro lugar, sinaliza que a antropologia não deve ser reduzida unicamente ao seu método canônico, a pesquisa de campo e a observação participante, como propostos por Bronislaw Malinowski. Ela pode também se valer de fontes históricas, que permitem decifrar os modos de vida dos povos do passado. Cohn evidencia, além disso, que a antropologia não implica apenas o estudo de outros povos, mas pode falar de “nós mesmos”, desde que se mostre capaz de desconfiar de noções enraizadas ou mesmo naturalizadas, como o próprio “sentimento de infância”. Em suma, o que a autora supõe como propriamente antropológico é essa tarefa de desvendar contextos socioculturais e históricos, o que exige o flerte com a história e a sociologia.
Em seu percurso pela história da antropologia, a autora nos apresenta, primeiramente, às posições da escola culturalista norte-americana e da escola estrutural-funcionalista britânica. Para ela, tanto a noção de “personalidade padrão”, abraçada pelos culturalistas, como a de “socialização”, defendida pelos funcionalistas, perdem de vista o lugar da criança como ator social, ou seja, como produtor de significados e não apenas suporte para a modelagem pela cultura ou pela sociedade, ambas tomadas como totalidades definitivas e acabadas, simplesmente reproduzíveis.
Cohn se aproxima, ainda que de modo inconfessado, do legado de Marcel Mauss, quando sustenta que, para compreender o que vem a ser uma criança (e, por conseguinte, um adulto), é antes preciso compreender, para a sociedade em que se estuda, o que vem a ser uma pessoa. Este ponto se torna bastante claro quando a autora apresenta, de modo muito sucinto, sua experiência com os Kayapó Xikrin (Pará).
Ela aponta, entre eles, diferentes processos que atuam na fabricação da pessoa, e que vão desde a intensa atividade sexual no período da gestação (necessária, segundo os Xikrin, para a constituição do bebê) até os cuidados para que a alma não se desprenda do corpo (o que acarretaria a morte), passando também pelas práticas de nominação. Para os Xikrin, que levam a sério a divisão dos indivíduos por categorias de idade, feitas visíveis com a pintura e na ornamentação corporal, o que define um adulto propriamente dito é o fato de ele possuir filhos. Antes disso, um indivíduo permanece criança, ser incompleto que pode tudo, mas que ainda não é.



Do ponto de vista da criança
Cohn passa, de maneira nem sempre mediada, de análises que privilegiam o ponto de vista dos adultos sobre as crianças para outras que buscam apreender o ponto de vista das próprias crianças. Nessas últimas análises, a criança seria deslocada da condição de objeto de uma reflexão nativa para a de sujeito de sua própria ação e reflexão.
A criança, evidencia a autora, atua na criação de relações sociais e nos processos de aprendizagem e produção de conhecimento. A partir de sua interação com outras crianças -por exemplo, por meio de brincadeiras e jogos- ou com os adultos, elas acabam por constituir seus próprios papéis e identidades. Para dar sustentação a essas idéias, Cohn passeia por diversos exemplos. Entre os já mencionados Xikrin, ela sugere que a aprendizagem se dá na observação cotidiana das atividades dos adultos por meio de um aguçamento de sentidos, como a visão e a audição. Entre os Saramaká do Suriname, grupo quilombola estudado por Richard Price, ela destaca uma forma “fragmentada” de transmissão de conhecimento, que exige das crianças que elas produzam suas próprias sínteses. Entre os meninos de rua da cidade de São Paulo, retratados em um livro de Maria Filomena Gregori, ela aponta a configuração, na experiência da constante circulação pelo espaço urbano, de um conjunto particular de regras e códigos.
O grande desafio para uma antropologia da criança, como indicado neste livro, consiste em como apreender o ponto de vista dela sobre a realidade social. Se concordamos com Malinowski que a antropologia deve reconstituir os processos sociais a partir do ponto de vista do “nativo”, seja ele quem for, o que se deve fazer quando o “nativo” não é um “outro” adulto, mas uma criança? Não basta, assim, pensar como os adultos de uma dada sociedade pensam as crianças, mas, diferentemente, como as crianças pensam a si mesmas e, o que pode ser ainda mais interessante, o mundo dos adultos. Nessa direção, Clarice Cohn sugere: “A criança não sabe menos, ela sabe outra coisa”.
Com relação a esse desafio, Cohn confere destaque especial às reflexões da antropóloga britânica Christine Toren sobre as crianças em Fiji. Toren, que possui formação em psicologia, combina técnicas de pesquisa dessa disciplina, como as análises de desenhos temáticos, que perseguem mecanismos cognitivos, a técnicas de pesquisa em antropologia, como a famosa observação participante.
Toren conclui que, numa sociedade fortemente pautada por critérios hierárquicos, as crianças muitas vezes invertem as proposições dos adultos, tomando as causas da hierarquia como seus efeitos, e vice-versa. Isso não significa, contudo, que elas não compartilhem o mesmo sistema simbólico ou que não compreendam o significado de suas mensagens. As crianças fijianas explicitam o que os adultos sabem, mas não conseguem expressar, talvez por sentirem vergonha. Disso decorre que tomar o ponto de vista das crianças pode ser importante não apenas para apreender o modo como elas pensam o mundo e a si mesmas, mas também como pensam os adultos, mesmo quando, para eles, o pensamento delas parece impensável.
É preciso, como lembrava Lévi-Strauss em “As estruturas elementares”, atentar não apenas para as diferenças, mas para as semelhanças entre adultos e crianças ou, como sinaliza Clarice Cohn, promover a comunicação entre esses dois mundos que, na nossa sociedade, sobretudo, são concebidos como demasiadamente descontínuos. As proposições infantis, por absurdas que possam parecer, têm muito a ensinar sobre o pensamento adulto, tanto em suas propriedades cognitivas mais gerais como em seus aspectos mais particulares. Esse interesse pelo ponto de vista da criança, fruto de uma inversão analítica, parece-me certamente o traço mais forte da síntese oferecida em boa hora por Cohn. Anuncia-se, assim, um desafio teórico e metodológico, ainda pouco explorado, que poderá ser perseguido em pesquisas futuras.
Gostaria de encerrar essa resenha com outra metáfora, não mais do “primitivo”, mas do antropólogo como criança, metáfora empregada pelo norte-americano Anthony Seeger para se referir às suas primeiras pesquisas de campo entre os Suyá, do Parque Indígena do Xingu (Mato Grosso). Para Seeger, todo antropólogo em contato com uma população estranha, deve abrir-se para um novo processo –criativo- de aprendizagem. Isso não significa desfazer-se de toda a sua bagagem cultural, o que seria improvável ou mesmo absurdo, mas se deixar invadir pela possibilidade de outros modos de pensar e de agir. Temos, antropólogos ou não, muito o que aprender com as crianças -com as nossas e com as dos outros.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 7:11 AM 0 Comentários
Conteúdo produzido por Carlos Augusto Nazareth - Design por Putz Design