Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

Conteúdo Atualizado Semanalmente



segunda-feira, outubro 30, 2006


 

ARTE ESTÉTICA E RUPTURA



por carlos augusto nazareth



A história da criança passa pela história da humanidade, das relações de poder, descaso, posse e coisificação do ser humano, principalmente da chamadas minorias - mulheres, escravos, negros, índios e crianças.
Desde a antiguidade as crianças, as mulheres e os escravos eram considerados seres inferiores e em relação de dependência com os seus senhores.
Há registros históricos que falam da venda da criança pra trabalho escravo em outra família, que não a consangüínea e que não eram filhos de escravos, mas filhos de brancos, europeus, que vendiam seus filhos, muitas vezes com as mães, pois conseguiam, assim, um melhor preço, como hoje se vende, por melhor preço uma “vaca leiteira com o bezerro no pé” – como falam os tropeiros pelos interiores do Brasil.
São marcas ontológicas que permanecem no inconsciente coletivo, provocando, ainda hoje, ações conseqüentes destas posturas seculares.
No Brasil o teatro para crianças nasce no seio da igreja catequética que quer passar valores éticos e morais e usa o teatro como meio auxiliar para seu ensinamento. O ranço deste seio religioso, catequético, educativo, moralista das origens do teatro se alia às origens da história da criança no mundo e no Brasil.
E dando seguimento a esta história vamos nos focar em um fato significativo também no mundo e no Brasil – a “roda dos expostos”. Uma instituição criada na época da Colônia, passou pelo Império, pela República, somente tendo sido extinta em 1950. Como aconteceu em relação à escravidão, o Brasil foi um dos últimos países a extinguir a “roda dos expostos”
A roda foi instituída por instituições caritativas, mosteiros e revelam a relação da sociedade e da igreja com a criança.
No entanto, este instituto da “roda dos expostos” exerceu importante papel, no Brasil, pois era praticamente a única instituição de assistência à criança abandonada.
A roda dos expostos é uma ação nascida na Europa Medieval. Os conventos e Santas Casas estavam na verdade preocupados com o batismo das crianças, salvação das almas, antes mesmo do que atender ao ser humano abandonado pelo próprio homem. A primeira providência das casas que recolhiam os abandonados era o batismo, a não ser que a criança trouxesse algum bilhete que dissesse já ter recebido esse sacramento. Consequentemente e não prioritariamente eram assistidas com a ajuda do governo e de particulares, porém, mais tarde, exerciam trabalho auxiliar nos mosteiros. Eram os chamados oblatos que ao crescerem passavam a servir a Deus – e ao mosteiro, não muito diferente das famílias que adotavam também as crianças abandonadas com a intenção de mais tarde prestarem serviços domésticos auxiliares. Não é necessário dizer que as exceções existiam e nos primeiros censos, de algumas famílias os “acolhidos” eram contados como filhos legítimos da família, mas evidentemente esta era a exceção necessária para confirmar a regra.
Esta relação da sociedade com a criança não-desejada, geralmente nascidas de um “mal-passo” da mãe tinha origem na moral vigente na época onde o conceito sobre as relações sexuais eram tratadas como relações advindas do clima tropical, do ócio e do vício.
“ Como a constituição do clima conduz muito pra a liberdade, não faltam ociosos que se aproveitem dela para continuarem na repetição de vícios” (Trecho de carta de 1726, do vice-rei ao rei, para convencê-lo a autorizar a abertura de uma Roda de Expostos).
Houve, portanto, um longo processo histórico até a sociedade começar a reconehcer a infância. E assim mesmo a particularidade da infância não é reconhecida e realizada para todas as crianças – diferenças de classe, de gênero e de raça fazem com que nem todos vivam a infância da mesma forma.
A infância é, pois, não um período determinado da vida, mas uma construção histórica, que no Brasil, só a partir dos anos 60 introduziu um modelo e uma orientação diferenciados para infância abandonada, no entanto mal conduzido pelas entidades que se criaram na época.
Apenas em 1988 surgiu o Direitos Internacionais da Criança. O Estatuto da Criança e do Adolescente surge em 1990 e apenas em 1993 o Estado assume sua responsabilidade sobre a assistência à infância e à adolescência desvalida.
Portanto ao nos depararmos com a história da criança no Brasil e no mundo vemos que o que nos incomoda hoje é na verdade um pequeno reflexo de toda uma história que vem dos primórdios da humanidade e passa pela construção histórica das diferentes épocas e paises.
Este sentimento de infância surge apenas na modernidade. Na Idade Média não havia claro este conceito de criança, já que todos participavam igualmente da vida familiar, como um todo, presenciavam todos os fatos; não havia o interdito, sequer em relação a vida sexual familiar, todos eram muito próximos. Diferente de outros momentos, outras culturas e outras regiões. Portanto esta construção histórica da infância é plural e na maioria das vezes consideramos infância a imagem que construímos ontologicamente: a minoria, a que não tem palavra, a que não tem querer, dependente. Nossas conceituações sobre infância estão submersas em visões históricas do adulto que vive a infância a partir desta história e as imagens e conceitos que se formaram em nosso inconsciente.
E seguimos agindo assim com este descaso, ora tratando a criança como uma tabula rasa, ora tratando a criança como fonte da inocência, ora como um ser terrível, ou desprezível, jamais ouvindo a criança e tentando entender este ser que dialoga com o mundo e são atores sociais, interagem com as pessoas, as instituições, reagem frente aos adultos e desenvolvem estratégias de luta para participar do mundo.
Enquanto não se mudar as relações sociais de poder e de afeto, de atitude e consciência política, do Estado e de toda a sociedade, em relação a sua responsabilidade com a criança – um ser com o qual temos que nos preocupar e ter uma relação consciente de respeito e afeto e antes de tudo de resgate, pois sabemos que infans / infante é etimologicamente aquele que não tem fala – a minoria sem voz, que não era ouvida nem se falava sobre ela.
A criança era uma categoira menor como os silvícolas, as mulheres, os escravos. O preconceito apregoado e pouco pensado contra o INFANTIL tem uma origem histórica, ontológica.
Com esta postura em relação à criança, no desrespeito da criança abandonada, do trabalho escravo, da exploração sexual da criança, da falta de alimento, de escola, e de afeto, e de ética, ao lidar com este segmento da sociedade que tem que ser o norte das ações que significam o futuro da nossa sociedade.
O respeito e a ética – e apenas o respeito à criança e a ética – podem fazer mudar a forma de se ver a criança, de se trabalhar para a criança, de se criar para a criança.
Enquanto se vender a falsa idéia que “à criança não se engana” continuarão existindo – e aqui falamos de teatro, nosso alvo - espetáculos que evidenciam que continuam vendo a criança com todo este ranço histórico, seja que segmento da história se tome. Desde a primeira lei contra o infanticídio, até o surgimento da imprensa, da televisão e da internet.
,À criança se engana sim e se engana aos pais e, tragicamente, aos professores, principalmente quando a desculpa é falar de conteúdos programáticos ou temas transversais. E é a falta de ética de consciência histórica, de reflexão e até mesmo de escrúpulos, que faz com que, em teatro, especificamente falando agora, muitas vezes a criança seja visto com este descaso e menos-valia históricos.
Não importa o nome se teatro infantil, se teatrinho, não há técnica, dramaturgia, capacitação de professores ou o que mais seja que exerça uma mudança real, enquanto não houver a mudança ética, em relação ao trato com a criança, onde o teatro é apenas e como sempre o reflexo da sociedade.
E se continuarmos a esconder a cabeça como avestruzes, repetindo uma série de conceitos vazios, sem repensarmos o que vimos repetindo há anos, buscarmos as razões que estão por detrás da Arte para a criança, buscar a história, a construção antropológica, olharmos o teatro com outros olhos, como Obra de Arte, não avançaremos um passo.
Em 1997 Ilo Krugli no I Encontro sobre o teatro e o texto teatral para a criança dizia que a sensação que tinha era de que ele nada havia feito em trinta e cinco anos de trabalho, pois as questões eram as mesmas, artigo de Ana Maria Machado, no Jornal do Brasil, em 1975 coloca todas estas mesmas questões, de forma tão atual, que poderia ser publicada hoje, na íntegra e esta permanência e inércia fica presa a uma questão histórica e a uma postura pouco investigativa e reflexiva daqueles que trabalham neste segmento da Arte para a criança.
A literatura infantil no Brasil tem hoje um respeito internacional, grandes pensadores, pessoas dedicadas a estudar sobre o fenômeno e a necessidade da leitura há trinta anos e ainda estamos longe do ideal.
Se o teatro e as pessoas de teatro não perceberem que desta forma estão eles mesmos assassinando sua própria arte e seu próprio público, momento onde a ruptura com estes valores e comportamentos históricos se faz imperioso. Preocupar-se com o imediato - que se reduz a uma escolha de texto, uma busca de possibilidade de montagem e de veiculação do espetáculo - nada mudará qualitativamente não só em relação ao próprio teatro em si, a força criadora e modificadora do teatro, sua força transgressora.
Teatro é Arte, teatro é Obra de Arte e assim tem que ser discutida para que se mantenha eterna. Na hora em que reduzimos a Obra de Arte a um produto de venda, acabamos com a perenidade do teatro, com a eternidade das questões primeiras que impulsionam o artista a buscar respostas e a revelar seu olhar sobre o mundo.
E este comportamento se baseia antes de tudo na ética. Nada justifica uma criação que trata a criança como um ser não-pensante, ao qual é capaz de impingir qualquer produto, dizendo que a ele não se engana.
Responsabilidade dos criadores, responsabilidade dos professores que precisam pensar cada vez mais sobre o papel da Arte na construção do ser humano, responsabilidade dos pais que precisam melhor se informar sobre o que seja teatro, responsabilidade da mídia, a quem cabe informar sobre as questões vitais da cultura, responsabilidade das instituições públicas e privadas pensando na influência que o teatro e suas imagens exerce sobre o “imaginário da criança, imprimindo imagens em seu inconsciente, que irá resgatar ao longo da construção de sua personalidade” (Durand) e aí nos damos conta da responsabilidade que temos enquanto artistas na construção do homem de amanhã. Da ética no exercício da Arte.
Bibliografia
FEITAS, Marcos Cezar (org). História Social da Infância no Brasil, 5ª ed., Cortez editora, S.P., 2003
DELGADO, Ana Cristina. Revista Espaço Acadêmico número 34, março de 2004. ISSN
Bibliografia
FEITAS, Marcos Cezar (org). História Social da Infância no Brasil, 5ª ed., Cortez editora, S.P., 2003
DELGADO, Ana Cristina. Revista Espaço Acadêmico número 34, março de 2004. ISSN


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 10:18 PM 0 Comentários



segunda-feira, outubro 23, 2006


 

REVISITANDO LUCIA BENEDETTI 3



por carlos augusto nazareth



A criança através dos tempos
Em 1969, época da edição do livro Lucia Benedetti se perguntava se a criança de então seria a criança de sua meninice.
Lucia Benedetti reflete sobre o surgimento das diferentes midias – o rádio e a sua influência, o surgimento da televisão, a mudança que cada uma deles provocou nos hábitos famliares.
E deixa mais uma questão no ar. A criança se modifica cada vez mais rápido, pois cada vez mais rápido o mundo muda.
Mas, questionamos. O mundo muda o teatro muda a criança muda, mas o teatro, como todas as outras artes permanece. Há uma questão de multiplicidade de expressões que vão chegando e reduzindo evidentemente a forma de expressão em voga anterior. Há séculos, o pintor era o jornalista do reino. Um quadro pintado por um pintor famoso de uma rainha era motivo para festa na corte que comparecia em peso. Hoje uma galeria de arte abriga poucos visitantes a cada dia. A pintura morreu? Deixou de existir? Evidentemente que não, apenas divide espaço com outras formas de expressão, e portanto seu espaço naquela época era imenso, pois era quase única. E vem o jornal, o rádio, a televisão, a aldeia global, a internet. Os cinemas, quando surgiu o vídeo foi preconizada a morte do cinema. É verdade que centenas de cinemas nas cidades grandes e pequenas foram fechados. Mas também na época o cinematógrafo era uma sensação e ir ao Cinema Odeon, ver filmes mudos acompanhados pelos famosos “pianeiros”, dentre eles, inclusive, Ernesto Nazareth, passou. Mas o cinema, a arte do cinema continua e no Brasil, num momento pujante.
E assim é a história da ópera, do ballet, enfim, o mundo caminha mas as expressões artísticas ao contrário de se extinguirem se multiplicam – cada uma mantendo sua especificidade – e isto é o que cada uma não pode deixar de cuidar, pois pra um teatro infantil tirar hoje uma criança diante, nem mais da tv, mas do computador, e Deus sabe que outros mídias futuras, tem que ser O teatro – pleno de teatralidade, magia e sedução. Se não, para que sair de casa?

PARTE III

Para entendermos o teatro infantil hoje é essencial que se vá a suas origens. Há pérolas nos primórdios do teatro para crianças e uma delas Lucia Bedetti transcreve integralmente o que aqui repetimos, pois as Dezenove Regras de Dom Bosco para o teatro infantil, falam por si só.
D.Bosco, criador da ordem dos Salesianos, sua maior obra é o seu sistema de educar os jovens.. O santo dos jovens, morreu no dia 31 de janeiro de 1888, com 72 anos. Foi aclamado pelo Papa João Paulo II como o “Pai e Mestre da Juventude”. Dom Bosco é também o padroeiro de Brasília-DF.

Conhecendo os fundadores do teatro para crianças, sua época, seus métodos e princípios, que teve em D.Bosco um adepto fervoroso, depois a ele se seguiu Anchieta, outro santo e Padre Manoel da Nóbrega, toda esta origem religiosa, educativa, moralizadora, ancestral e cultural – este é o berço do teatro infantil e por isso tanta dificuldade em já tantos anos – de nos libertarmos de muitos conceitos que impedem que esta expressão artística alce vôos maiores. Estamos sendo tendo que lutar contra todo este pedagogicismo eucarístico – origem de nossos bens e nossos males. Mas vamos às regras de D. Bosco.

“Tendo o teatro como um dos meios de instruir e divertir seus pupilos, D. Bosco sabia muito bem quas as dificuldades que teria que enfrentar. Afim de ajudar aquela juventude a utilizar, com proveito, seus dons artísticos, e por outro lado, transmitir o melhor ao seu publico, teve o santo cidade de escrever algumas regras que serão sempre bem vindas para todos aqueles que desejam um real aproveitamento do teatro infantil.
Eis aqui o que prescreve D. Bosco.

1. A finalidade do teatrinho é alegrar, educar e instruir moralmente aos jovens;
2. O teatrinho terá um diretor. Este deverá manter o Diretor da Casa informado sobre o que vai ser representando, em que dia e estabelecer a escolha dos que vão representar;
3. Entre os que vão representar, haverá sempre preferência para os que tiverem melhor conduta, embora, de vez em quando, para estimular, sejam substituídos;
4. Aqueles que estiverem ocupados com os cânticos ou efeitos sonoros, que se mantenham alheios à representação. Só poderão aparecer em cena nos intervalos, caso desejem recitar ou cantar;
5. Os diretores fiquem fora da representação na medida do possível
6. Na escolha do texto é preciso que prevaleça o critério de que as composições sejam amenas e aptas a recrear e divertir, porém sempre morais e breves. O texto, demasiadamente extenso, além de ocupar demais os meninos com ensaios, geralmente cansa o auditório, faz perder o valor da representação e provoca aborrecimento, mesmo das coisas apreciáveis.
7. O que se poderia chamar de cenas de atrocidades, será evitado. Haverá, entretanto, alguma tolerância para com cena mais séria, sendo porém extirpado do texto quaisquer expressões chulas ou grosseiras que sejam consideradas pouco cristãs;
8. O diretor deverá estar sempre presente aos ensaios. Caso estes se procedam à noite, não deverão se prolongar além das dez horas. Um vez terminados deverá ele cuidar que cada um siga em silêncio, sem se deter em conversar que causam incômodo `aqueles que já se recolheram;
9. O diretor tenha todo cuidado para que, no dia da estréia o cenário esteja inteiramente pronto, a fim de que não haja necessidade de se trabalhar no dia festivo;
10. Que o diretor seja rigoroso em procurar vestuários decentes e baratos.
11. Que o diretor esteja entrosado perfeitamente com os chefes que dirigem os cânticos e operam com efeitos sonoros;
12. Não se permitirá, a quem quer que seja, que, sem um justo motivo, entre no cenário e muito menos no camarins dos artistas. Vigie também para que, durante a representação não se mantenham conversas particulares e que se observe a maior decência;
13. Que ninguém vá ceiar fora. Ninguém dará prêmios, sinais de estima, elogios àqueles que tenham sido favorecidos por Deus com aptidões especiais para representar, cantar, tocar instrumentos. Já são premiados com o tempo que possuem livres e as lições que recebem.
14. Que se recomenda aos atores uma emissão de voz não afetada, uma pronúnica clara, gestos desenvoltos e decididos. Isso será facilmente obtido se eles estudarem bem seus papéis.
15. Lembrem-se de que o encanto e especialidade de nossos teatrinhos consistem, também, em abreviar os intervalos entre um ato e outro com cantos e recitativos de autores de categoria.

Edição de textos de teatro
Editar teatro no Brasil era uma verdadeira extravagância.
Mas, na Itália, em 1841, já era ponto pacífico...


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 4:34 PM 0 Comentários



segunda-feira, outubro 02, 2006


 

REVISITANDO LUCIA BENEDETTI 2



por carlos augusto nazareth



" Para se conduzir crianças a um conhecimento da arte dramática, o primeiro passo não é montar atabalhoadamente uma peça. O primeiro passo, verdadeiramente é este: jogos dramáticos. Dentro destes jogos a mestra os irá conduzindo lentamente a uma foca de expressão corporal que, mais tarde, permitirá que, nas sua escola possam desenvolver uma atividade cênica bastante aproveitável. “ È claro aqui que o objetivo final desta atividade é “uma atividade cênica bastante aproveitável. No entanto, na escola, esta fase pode nem ter o foco do produto acabado.
O Jogos Dramáticos têm a função de trabalhar a percepção de si mesmo e do outro, do sentimento, da emoção e outras questões – e aqui, ainda imbatível, o livro de Viola Spolin tudo esclarece.
A montagem “atabalhoada” é uma outra atividade possível, onde o objetivo é – aí sim - o produto fnal, evidentemente sem uma preparação para a atividade completa, mas que trabalha o lúdico, o grupo, a iniciativa de buscar um texto, ler, buscar recursos para montá-lo, descobrir vocações de ator, de figurinista, de cenógrafo. Geralmente montagens de fim de cursos promovidas pelos Grêmios, revelaram a muitos a vocação de ator, portanto, mesmo “atabalhoada” tem sua função específica.
Finalmente a autora fala, de forma discutível, do brincar (jouer, to play) – é brincando que a criança aprende a andar de cabeça erguida, a empostar corretamente a voz, a modular com facilidade, a articular bem. Diríamos que isto a criança aprende desenvolvendo-se tecnicamente, até com certa rigidez e muito treinamento. Mas brincando o que ela descobre é a magia do de brincar de ser o outro, de forma natural, isso sim. De partilhar e da contra-cena que já se esboça nas brincadeiras de “casinha” das meninas, onde todos assumem os papéis dos adultos, no caso, seus personagens.
Até aqui Lucia Bedetti revela os primórdios e as premissas que conduziram esse início do teatro infantil em nosso país.
O teatro, a criança, o aluno, a didática, o pedagógico, a moral, os bons costumes, o jogo, enfim, tudo isto colocando no mesmo balaio que até hoje tenta-se separar, pois todas as atividades têm a sua função. Só que, cada uma, tem sua função própria,.seus objetivos métodos espeíficos.. A partir do capítulo V a autora já se volta mais para o teatro feito por adultos para crianças, se encaminhando para o futuro teatro profissional infantil.

CAPITULO V

No capítulo V Lucia Benedetti trata de uma interessante questão, polêmica até hoje, que chamamos de adequação e que se refere a relação entre o espetáculo e o público para o qual é destinado.
E de início a autora toca numa questão até hoje ponto de discussão permanente. “Quando alguém se propõe a fazer teatro para crianças, quase sempre tropeça com problema da idade do seu público. Não pode ser ignorado tal fator por quem faça esse teatro especializado. Um teatro muito interessante para uma criança de cinco anos poderá não passar de algo muito fastidioso pra uma criança de onze anos.”
De alguma outra forma já abordamos esta questão quando falamos da farasa medieval e do teatro de mamulengo, mas vamos além. Num país de extensões continentais, de desigualdades sociais tão fortes e diversas, definir a criança apenas pela sua faixa etária é extremamente difícil também. Retomando o próprio exemplo da autora, e olhando hoje, uma criança de cinco anos da zona sul do Rio de Janeiro, que freqüenta shoppings e vai a Disneylândia uma vez por outra, não pode fazer parte do mesmo grupo de uma criança da baixada, cujo universo não vai além da sua própria rua de terra com esgoto a céu aberto. No entanto, as duas têm um ponto vital em comum – são crianças, que têm um eixo norteador de desenvolvimento central, que se diferenciam por suas vivências e experiências, mas que mantêm um núcleo interno onde se identificam, na capacidade de sonhar, dentro do conceito de Bachelard. Portanto, por vezes, trabalhar com arquétipos, tocam igualmente a um e outro publico tão diverso. A forma de tratar cênicamente estes arquétipos por vezes variam, mas aí é um campo de experenciação estética de classe social e vivências diferenciadas que determina. E assim temos, de bairro a bairro, dentro, por vezes, de uma mesma escola, microcosmos diferentes que tornam a referência faixa etária frágil. Por outro lado impossível se abster de ter um certo conceito-padrão para cada uma faixa etária para que se possa caminhar por um fio condutor, porém absolutamente atento às diferenças sempre presentes de pessoa a pessoa de grupo a grupo.
Um case a ser relatado é o de uma escola pública municipal da zona oeste foi criada, pela primeira vez a quinta série, numa escola que, até então era só uma escola “primária”(1973).
As turmas, nesta escola foram formadas respeitando a faixa etária, o que revelou um quadro sócio econômico interessante e desafiante. As turmas 1 e 2 eram de crianças de dez anos, classe média que haviam se mudado para a Zona Oeste já em busca de melhor condições de vida, para casas com piscinas, pais com carro, e todos os bens de uma classe média em ascenção. A turma 4 era a turma dos moradores locais do bairro, dos “oriundi” que eram de uma classe de baixo poder aquisitivo e cultural, mas dentro ainda dos padrões considerados aceitáveis por aquela sociedade local. Eram já de uma faixa etária um pouco superior, tinham enfrentado problemas de conseguir vagas nas escolas públicas, dificuldades financeiras por vezes, e outros mais. E as turmas 5 e 6 eram moradores de Cidade de Deus, recém construída, alunos de 14 a 17 anos, oriundos de diferentes favelas do Rio de Janeiro. Portanto, dentro de uma mesma escola tínhamos três universos distintos para uma mesma programação curricular de uma quinta série. Back-grounds distintos, estimulações distintas, desejos e sonhos distintos, interesses distintos, gupos familiares e sociais distintos. E tudo isto numa mesma escola, num mesmo bairro, numa mesma série. Amplie-se esta experiência a nível Brasil e veja quanto frágil são nossos referenciais para sabermos a que público nos dirigimos.
E retornando ao teatro, Lúcia Benedetti, nos traz algumas considerações ainda de Jesualdo, um golpe fatal nesta questão. Jesualdo refere-se com certa amargura sobre certos teatros que são oferecidos às crianças. E dá certeiras flechadas em certos espetáculo que são, ingênua ou ardilosamente oferecidaos ás cirnaçs e aos quals falta até mesmo o mais comezinho bom gosto....” e diz mais Jesualdo, dando a definição de Martinez Estrada do que seja teatro infantil – um classe de espetáculos que não interessam aos adultos e tampouco às crianças” Vai além e diz;; “mediocridade presunçosa que deseja dissimular sua inépcia com o pretexto de que é infantil. Pueril, sim, infantil, não. Citando ainda Jesualdo “O teatro infantil deve ser, antes de tudo, “um teatro” na mais completa acepão da palavra. Isso significa que deverá ter uma fisionomia própria, cracteres perfeitamente definidos, um repertório especial que abarque os mais diversos gêneros: drama, comédia, farsa, ópera, comédia musical, ballet, espetáculos mistos e sobretudo uma legião de atores profissionais formados e educados para intrepretear esse novo gênero...
Aqui Jesualdo lança uma questão pouco discutida até hoje. São a literatura infantil e o teatro infantil um novo gênero? Mesmo hoje, quando implodem os gêneros, esta pergunta não aponta ao menos para uma especifcidade da criação e do criador ao fazer literatura e teatro para crianças? Não terá suas leis próprias diferentes dos da literatura e do teatro como têm outros gêneros, a partir de um núcleo comum? Esta é apenas uma provocação, mas uma provocação que ecoa uma murmúrio que vem crescendo defendendo esta idéia, pelo menos, de especificidade.
E absolutamente contemporâneo nas questões que levanta, Jesualdo continua – acentua a necessidade de acomodar a criança ao teatro e o teatro às crianças, isso significa, em termos gerais, procurar um teatro para cada idade. Esta é uma outra provocação absolutamente atual.


# postado por Carlos Augusto Nazareth @ 6:20 PM 0 Comentários
Conteúdo produzido por Carlos Augusto Nazareth - Design por Putz Design