Um espaço para reflexão sobre o teatro infanto-juvenil

Conteúdo Atualizado Semanalmente



terça-feira, outubro 30, 2007


 

FILOSOFIA E ÉTICA PARA CRIANÇAS


uma Proposta interdisciplinar


por Dora Incontri / Alessandro César Bigheto



Dora Incontri
Pós-doutorandaFEUSP
Apoio Fapesp
Alessandro César Bigheto
Pedagogo

“Filosofia é um assunto que não interessa só ao especialista porque, — por mais estranho que isto pareça — provavelmente não há homem que não filosofe; ou pelo menos, todo homem se torna filósofo em alguma circunstância da vida. (…) o importante é que todos nós filosofamos, e até parece que estamos obrigados a filosofar”. (BOCHENSKI, 1977:21)
Até agora, a Filosofia tem sido mantida distante da criança e dependendo da abordagem pedagógica e antrolopógica que fizermos, ela deveria mesmo estar afastada. O problema não é nada simples, porque para alguns, a racionalidade necessária à elaboração do pensamento filosófico ainda não estaria presente, pelo menos nas primeiras fases da infância, enquanto para outros, a capacidade de indagação, questionamento e perplexidade, e que constitui a ferramenta principal da Filosofia, se mostra com toda força e espontaneidade justamente na criança. Por exemplo, Gareth Matthews considera que a teoria piagetiana estaria em oposição a essa possibilidade:
“Piaget pretende corroborar suas afirmações sobre as fases de desenvolvimento por meio da descoberta dos mesmos padrões de resposta em todas as crianças. Essa descoberta seria uma comprovação de que a reflexão das crianças realmente se desenvolve dessa maneira. A resposta incomum é desconsiderada por ser um indicador não confiável das maneiras como as crianças pensam; (…) contudo é a resposta divergente que costuma ter um interesse maior para a filosofia.” (MATTHEWS, 2001:46)
Narrando diálogos altamente sugestivos, e sempre espontâneos, em que crianças propõem perguntas e às vezes soluções filosóficas que foram as mesmas questões e propostas tratadas por grandes filósofos da história, Matthews arrisca-se a dizer que:
“O adulto tem um domínio da língua superior ao da criança e pelo menos o potencial para dominar com mais segurança os conceitos expressos pela língua. Todavia, é a criança que tem olhos e ouvidos atentos para a perplexidade e a incongruência. As crianças também costumam ter um grau de franqueza e espontaneidade difícil de encontrar nos adultos.” (MATTHEWS, 2001:46)
Nas últimas décadas, o programa de Filosofia para Crianças, proposto pelo norte-americano Matthew Lipman e hoje atraindo o interesse da Unesco e da Unicef, tem mostrado a possibilidade e a necessidade de tal prática. Lipman “lançou a idéia de que as crianças podem e merecem ter acesso à Filosofia”. (KOHAN & WUENSCH, 1999: 9) Mas, ao mesmo tempo em que abriu caminho e quebrou tabus neste campo – e se fosse somente essa a sua contribuição, já seria excelente – seu programa não deixa de suscitar questionamentos mesmo entre aqueles que consideram possível e desejável introduzir a Filosofia entre as crianças.
Nenhum ato pedagógico pode se dar sem uma finalidade ética. Muito menos a Filosofia poderia estar divorciada disso. A Ética, sendo uma necessidade existencial e social para os seres humanos de todos os tempos e igualmente um ramo da Filosofia, que estuda esta necessidade e propõe seus princípios, tem sido objeto de propostas curriculares (vejam-se os PCN, com seus temas tranversais) e de estudos e experiências pedagógicas.
Para Lipman, o próprio desenvolvimento de uma Comunidade de Investigação, dentro de seu método de filosofar com as crianças, é uma proposta ética, desenvolvendo a capacidade de cooperação e interlocução tolerante entre os membros desta comunidade. E mesmo fora do contexto das idéias lipmanianas, a interdisciplinaridade, que hoje se reconhece como necessária para novos processos educacionais, permite as pontes entre Ética e Filosofia, já naturalmente aparentadas.
O método de Lipman, porém, tem enfrentado algumas críticas procedentes, (ver, por exemplo, SILVEIRA, 2001) por se tratar de uma proposta embebida no pragmatismo norte-americano, com pouca relação com a nossa realidade, e por estar enraizada em uma determinada concepção de mundo, mas pretender-se neutra do ponto de vista teórico. O professor Samuel Skolnikov, da Universidade Hebraica de Jerusalém, põe em questão a própria Ética que se pretende embutir na Comunidade de Investigação. A seu ver, isso descaracteriza o pensamento filosófico genuíno e submete o indivíduo à coletividade: “o pensamento individual não deriva da comunidade, ele pode ser ocasionado ou estimulado pela comunidade, mas é essencialmente diferente de uma investigação conjunta.” (SKOLNIKOV, 2000:94)
Outra objeção feita a Lipman, a nosso ver bem mais séria, é que seu método conduziria a um relativismo. Eis uma questão delicada, pois um dos perigos em que pode incorrer a Filosofia para crianças é o de tornar-se uma doutrinação, para a qual elas não teriam defesa. Como escapar do autoritarismo ideológico, sem cair na relativização exagerada, que leva ao ceticismo? O objetivo do programa Lipman é o desenvolvimento de “habilidades de pensamento” e, nesse desenvolvimento, pensa ela resolver essa contradição. Comenta, porém, Silveira:
“Ora, ‘avaliar evidências’, ‘detectar incoerências e incompatibilidades’, ‘tirar conclusões válidas’, ‘construir hipóteses’, ‘empregar critérios’, são todos procedimentos lógicos. (…) A saída proposta por Lipman para o seu dilema entre relativismo e absolutismo é infrutífera, pois, ao fiar-se nas ferramentas da lógica para solucioná-lo, acaba por deslocá-lo do âmbito epistemológico para o estritamente lógico e metodológico. A discussão, no entanto, deve ser posta em termos de verdade e não apenas de validade ou coerência. Como, porém, a lógica não se ocupa da verdade, o dilema permanece insolúvel.” (SILVEIRA, 2001: 168,173)
No caso da Ética, o relativismo (com a abolição de critérios e possibilidade de verdade) pode levar a um indiferentismo moral, que seria o avesso de qualquer educação e, ao mesmo tempo, pode se caracterizar também como uma doutrinação – a doutrina do niilismo pode ser tão dogmática quanto qualquer outra doutrina. (Com isso se vê que o risco de doutrinação está sempre presente, mas se não o enfrentarmos com honestidade, nem poderíamos fazer educação).
Nesse sentido, temos desenvolvido um trabalho de Filosofia e Ética para crianças, que, em primeiro lugar, leva em conta as especificidades da cultura e dos costumes do povo brasileiro, com sua grande capacidade afetiva, sua criatividade e sua religiosidade. Essa inserção em nossa cultura está (por acaso ou não) perfeitamente de acordo com o considerar-se o ser humano, como um ser integral, dentro da visão pedagógica dos grandes clássicos da Educação, tais como Comenius, Rousseau e Pestalozzi. Por isso não poderíamos dissociar jamais a Filosofia de outras áreas do conhecimento, encurralando-a apenas num jogo de lógica formal, mas fazê-la sempre interdisciplinar, voltada para a formação ética e geradora de atitudes concretas.
A criança é sim capaz do ato de filosofar, pois com Comenius, achamos que
“Não é necessário introduzir nada no homem a partir do exterior, mas apenas fazer germinar e desenvolver as coisas das quais ele contêm o gérmen e fazer-lhe ver qual a sua natureza. Por isso, Pitágoras preocupava-se em dizer que era tão natural ao homem saber tudo que, se fossem apresentadas com jeito a um menino de sete anos todas as questões de toda a filosofia, com certeza responderia a todas com segurança”. (COMENIUS, 1999:118)
Assim, qualquer idéia de Filosofia para crianças tem de se basear numa concepção otimista de que o ser humano já traz em si as potencialidades de reflexão crítica e aplicação prática das virtudes morais e basta desenvolvê-las com uma orientação pedagógica adequada. Esse pressuposto anula tanto a possibilidade de doutrinação – pois não se quer impor algo de fora, mas extrair algo de dentro – quanto o relativismo, porque esse não é natural entre as crianças, o que poderia evidenciar (excelente objeto para outro estudo) a natureza imanente de certas verdades morais.
A orientação pedagógica de tal projeto não deve lançar a criança numa esfera distante, pois que, “o filósofo não se afasta de modo algum da realidade cotidiana, mas sim das interpretações e valorações cotidianas do mundo(…)” (LAUAND, 1988:68) Compreenda-se assim que uma proposta de Filosofia para Crianças não pode ter uma receita pronta, apostilada (é essa uma das críticas feitas ao método de Lipman), pois trata-se também de partir do interesse, da realidade e do contexto dos alunos.
Além disso, considerando-se a criança como um ser integral, dentro da concepção de Pestalozzi de que a Educação deve se dirigir às mãos, cabeça e coração, (simbolizando a ação concreta, a racionalidade e o sentimento) uma prática pedagógica envolvendo Filosofia e Ética não pode ser apenas algo dirigido à razão. Deve ter raízes na afetividade e na estética, o que é bem mais fácil de se operacionalizar em nossa cultura, pouco afeita à lógica formal de um Lipman, mas bastante sensível ao estímulo afetivo e estético. Nesse sentido, podem ser usados textos poéticos, músicas, vídeos, histórias, peças de teatro para desencadear um processo de reflexão e estimular sentimentos morais. Segundo Rousseau, aliás, o fazer moral baseia-se em sentimentos e não apenas em princípios racionalizados. Diz ele que: “nossa sensibilidade é incontestavelmente anterior à nossa inteligência, e tivemos sentimentos antes de termos idéias.” (ROUSSEAU, 1969:600)
Outro aspecto da proposta é que dentro dos princípios que vêm se desenvolvendo desde Rousseau, passando por Pestalozzi e chegando mesmo a Piaget, todo aprendizado deve ser ativo, e isso igualmente no campo moral: “é fazendo o bem que alguém se torna bom”. (ROUSSEAU, 1969:543). Vejamos o que diz Piaget a esse respeito:
“A ‘escola ativa’ baseia-se na idéia de que as matérias a serem ensinadas à criança não devem ser impostas de fora, mas redescobertas pela criança por meio de uma verdadeira investigação e de uma atividade espontânea. ‘Atividade’ se opõe, assim, à receptividade. A educação moral ativa supõe, conseqüentemente, que a criança possa fazer experiências morais e que a escola constitui um meio próprio para tais experiências”. (PIAGET, 1999:20)
Por isso, toda proposta de reflexão filosófica e estímulo ético devem necessariamente desembocar em algum tipo de ação concreta, seja pela produção de textos, quadros, canções, teatro, seja por um engajamento dos alunos em trabalhos solidários, campanhas, formação de grupos de trabalho dentro da escola e fora dela.
Experiências práticas
Anos atrás, na década de 90, realizamos tal proposta numa escola particular em São Paulo, (Colégio Nova Era) e atualmente cada um de nós a está aplicando separadamente numa escola particular em Jundiaí, Escola Jean Piaget, e numa escola pública em Bragança Paulista, Escola Jorge Tibiriçá. [1] (Os dois projetos têm apenas um semestre, devem portanto se desdobrar ainda em muitas outras propostas.)
Entre os objetivos propostos em nosso trabalho estão:
• Despertar o espírito crítico-filosófico, estimulando o debate e o raciocínio;
• Aumentar o horizonte cultural das crianças, trazendo informações que geralmente não são tratadas na escola;
• Integrar o trabalho cultural com o aspecto ético, despertando valores universais, como fraternidade, justiça, solidariedade, não-violência etc;
• Incentivar a participação ativa de todos os alunos, estimulando um ambiente democrático na escola;
• Trazer elementos da Arte-Educação, como ganchos culturais e também como estímulo à produção dos alunos;
• Conectar valores universais com as diferentes formas de fé religiosa, numa abordagem ecumênica.
Para exemplificar os procedimentos adotados, narramos aqui dois projetos paralelos com alunos de primeira a quarta séries, na Escola Jean Piaget de Jundiaí e na Escola Jorge Tibiriçá em Bragança Paulista.
Relato da experiência da Jean Piaget
Na primeira fase, fiz um trabalho de sensibilização para Ética, já introduzindo um início de reflexão crítica a respeito dos grandes temas da virtude, mas não como abstrações. Os debates partiram de situações concretas da vida, ou de histórias que provocaram um questionamento dos comportamentos das crianças diante da vida. Nenhuma das nossas reflexões seja sobre Ética ou Filosofia ficaram sem um paralelo com a realidade das crianças.
No primeiro bimestre iniciei o meu trabalho com o tema da Grécia, pois foi lá que nasceram a Filosofia e a Ética, como matérias específicas. Estudamos alguns aspectos da cultura grega: a arte, a arquitetura, os jogos, a mitologia, a religião. Esses aspectos foram abordados de maneira simples, para a compreensão das crianças. Ilustrei essas aulas com diversos livros que tinham imagens da Grécia. Mostrei também dois CD-roms com obras gregas, fizemos jogos que estavam nos CD’s a respeito dessas obras, localizamos a Grécia no mapa. Como encerramento desse trabalho, produzimos cartazes com colagens de revista, sobre o que é uma ação ética e o que não é. Em primeiro, discutimos o nascimento da Ética e depois analisamos como ela deve ser usada na vida.
Após o término desse tema, iniciamos com a virtude da polidez, contei a história do “por favor”, do Livro das Virtudes. Em seguida, discutimos e realizamos um teatro com as palavras mágicas: por favor, obrigado, dá-licença. Depois, lemos e discutimos uma história divertida sobre a virtude dos meninos e criamos uma versão para a virtude das meninas. E fizemos para encerrar esse tema mais duas atividades: um cartaz escrito com essas virtudes e uma auto-análise em forma de pintura, sobre quais são as minhas ações éticas e quais não são.
No segundo bimestre, com as primeiras e segundas séries, a virtude tratada foi a coragem. Narrei uma história do Hércules do livro de Monteiro Lobato Os doze trabalhos de Hércules. Depois, contei uma história do Livro das Virtudes, também sobre Hércules. As duas abordavam o caráter da força nos feitos do herói. Ilustrei as aulas, passando um desenho sobre o personagem, chamando a atenção dos alunos para identificar quais aspectos de sua coragem. Em seguida, estudamos a coragem da não-violência, ou como chamamos, a coragem do amor. Utilizei a história de Sócrates, com enfoque nos seus feitos pela justiça e verdade. A partir daí, discutimos as diferentes formas de coragem: “a coragem dos fortes” e “a coragem do amor”. Depois, analisamos as situações em que é preciso ter coragem no dia a dia e qual delas nós usamos.
Como encerramento desse tema, cada classe produziu uma história coletiva e desenhos. Reunimos esse material e fizemos um pequeno livro.
Nas terceiras e quartas séries, no segundo bimestre, desenvolvi o tema “vida após a morte”, escolhido pelas próprias crianças. É certo que esse tema tem dificuldades por ser abordado por diversas religiões de modo diferente. Mas nós o enfocamos à luz da Filosofia, mostrando quais as posições existentes sobre o assunto. Em geral, as pessoas temem falar da morte, pois em nossa cultura, pela falta de tradição filosófica, ela está mitificada, e não podemos conversar sobre isso. Mesmo assim, o tema desperta interesse e curiosidade em crianças, jovens e adultos. Não podemos renegar o aspecto espiritual do ser humano, presente em todos os povos e em todas as culturas, e sem dúvida com muita enfâse na cultura brasileira.
Feitas as primeiras discussões, contei a história de Sócrates e comentei sobre Pitágoras, dois dos maiores filósofos de todos os tempos. A dedicação de Sócrates à educação ética e filosófica de todos e o seu empenho pela Filosofia são um dos mais importantes testemunhos históricos pelo bem, pela verdade e pela justiça que a humanidade já viu. Tanto assim, que muitos filósofos e historiadores estabeleceram comparações da sua importância com a de Jesus. Procurei mostrar nos seus feitos, além de sua posição de crítica, também a de bondade e amor diante de um mundo que aos poucos perde esses valores e esquece a sua dimensão espiritual. E nada melhor do que resgatá-los nessa figura, que foi um dos filósofos que mais enfatizou esse aspectos.
Realizei diversas discussões com os alunos sobre os seus feitos, sobre a sua postura espiritualista diante da morte, deixando claro nos seus ensinamentos sua crença numa vida após morte. Narrei a sua história, falando que foi considerado o mais sábio dos gregos pelo Oráculo de Delfos e acusado de corromper a juventude pelos políticos do seu tempo. Não aceitavam as ações socráticas da luta contra a injustiça e a maldade e a sua defesa de que a principal função do filósofo é ensinar aos homens a nortearem suas vidas pela verdade e pela ética. No cárcere, não aceita a fuga, pois fugindo renegaria tudo que havia ensinado e vivenciado a vida toda. A partir daí, falamos das duas principais correntes que abordam esse tema: os materialistas que acreditam que a vida se resume à matéria e os espiritualistas, que aceitam a sobrevivência da alma e ainda comentei sobre os céticos que não sabem se existe ou não e ficam na dúvida. Estabelecemos comparações entre a época de Sócrates, da Grécia e sua cultura com os dias atuais, falamos da grande falta de Ética que temos hoje em dia. E chegamos à conclusão de que ainda precisamos nos inspirar em Sócrates na luta por um mundo mais justo, mas feliz, em que a bondade , a sabedoria e o amor reinem nas relacões humanas.
Bibliografia
BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do Pensamento filosófico. São Paulo, EPU, 1977.
COVELLO, Sergio C. Comenius – A construção da Pedagogia. São Paulo, Editora Comenius, 1999.
INCONTRI, Dora. Pestalozzi – Educação e Ética. São Paulo, Editora Scipione, 1997.
KOHAN, Walter O. & KENNEDY, David. (Org.) Filosofia e Infância, possibilidades de um encontro. Vol. 3 Petropolis, Vozes, 2000.
KOHAN, Walter O. & WAKSMAN, Vera (Org.) Filosofia para crianças, na prática escolar. Vol. II. Petrópoles, Vozes, 1998
KOHAN, Walter O. & WUENSCH, ANA M.(Org.) Filosofia para crianças. Vol. I. Petrópoles, Vozes, 1998
KOHAN, Walter O. LEAL, Bernardina. (org.) Filosofia para Criança em Debate. Vol. 4 Petrópolis, Vozes, 2000.
LAUAND, Luiz J. Filosofia, Educação e Arte. São Paulo, Edições IAMC, 1988.
MATTHEWS, Gareth B. A Filosofia e a Criança. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
PIAGET, Jean. Os procedimentos da Educação Moral. In MACEDO, Lino de (Org.). Cinco Estudos de Educação Moral. SãoPaulo, Casa do Psicólogo,1996.
ROUSSEAU, J. J Œuvre complètes. Vol. IV. Paris, Éditions Gallimard, 1969.
SCOLNICOV, Samuel. “A problemática comunidade de investigação: Sócrates e Kant sobre Lipman e Dewey”. (In: KOHAN, Walter O. LEAL, Bernardina. (org.) Filosofia para Criança em Debate. Vol. 4 Petrópolis, Vozes, 2000).
SILVEIRA, Renê J. T. A Filosofia vai à escola? Campinas, Autores Associados, 2001.


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domingo, outubro 21, 2007


 

FESTIVAL DE BLUMENAU



por Marília Sampaio



O que me aguardava em Blumenau? A pergunta ecoava na minha cabeça enquanto arrumava a mala para participar, como debatedora, do 11º , Festival Nacional de Teatro Infantil, realizado na última semana de setembro na cidade catarinense. Naquele momento, senti uma espécie de excitação diante da possibilidade de ver espetáculos produzidos fora do Rio de Janeiro. Não que nossas peças não tenham qualidade. Pelo contrário. Sei que temos bons profissionais na cidade, que só dependem de incentivos, principalmente financeiros, para criar espetáculos maravilhosos. A maior prova disso, inclusive, foram as produções cariocas selecionadas para o Festival de Blumenau: O romance do pavão misterioso, Zigg, Zogg, a mosca e os jornais, O príncipe peralta, M’Boiguaçu – A lenda da cobra grande, O cavalo mágico e As aventuras de Tibicuera – peças muito caprichadas, que receberam elogios pela competência de seus realizadores. A minha excitação, na realidade, brotava da possibilidade de ver o novo, o diferente.
Pois bem, na primeira reunião com a coordenação e com os outros debatedores do Fenatib manifestei meu desejo: “gostaria de ver as produções de outros Estados do Brasil”. E, para minha felicidade, fui atendida. A primeira experiência aconteceu com Circus – A nova tournée, espetáculo da Cia. Circo de Bonecos, de São Paulo. Misturando fantoches, marionetes e bunraku – uma técnica em que um mesmo boneco é manipulado simultaneamente por duas pessoas – os atores da companhia, que vivem personagens de um circo mambembe, apresentam divertidos números. Tudo aparentemente muito simples, mas descobre-se depois, durante o debate, profundamente elaborado em anos de pesquisa na linguagem que é desenvolvida pelo grupo. Na minha frente, um menino sacudia na cadeira de tanto rir, enquanto uma senhora de, talvez, 70 anos, na fila de trás, dava gostosas gargalhadas. E eu, no meio dos dois, parei de prestar atenção na reação da platéia e me deixei levar pelo encanto do espetáculo.
Também tive a chance de ver em Blumenau os meninos do Grupo de Teatro Carruagem, que vieram de Aracati, no Ceará. Ainda muito tímidos, deixavam transparecer a preocupação de como seu trabalho, Carruagem da alegria, seria recebido no Sul do país.
O grupo não tem formação acadêmica em teatro. Os primeiros contatos com a arte dos palhaços ocorreram em oficinas de artistas que passaram uns poucos dias em sua cidade. A escola dos atores foi o teatro de rua, que fizeram ao longo de seis anos. Talvez esteja aí a explicação da empatia que os palhaços Podoi e Peteleco estabelecem com o público. Os dois atores da peça estão apenas dando os primeiros passos na técnica do clown, mas já demonstram que tem potencial para realizar ótimos trabalhos nesta área.
Assisti ainda a Ali Babá e os quarenta ladrões, com o grupo Trupe de Truões, integrado por ótimos atores, formados pela Faculdade de Teatro de Uberlândia, em Minas Gerais. Muito compenetrados e preocupados em aprimorar seu trabalho, os jovens do elenco escutaram com atenção cada comentário que foi tecido sobre o espetáculo.
O grupo Mão Molenga Teatro de Bonecos, de Madalena (PE), inspirou-se no processo de criação dos mamulengueiros de Pernambuco para montar Babau ou A vida desembestada do homem que tentou engabelar a morte, a história de um boneco que passa pelas mãos de diferentes mestres, de geração em geração, conseguindo assim driblar a morte.
Até aí nada de mais. Mas, inusitadamente, o espetáculo acabou gerando a maior polêmica do Fenatib. Explico: há na peça uma cena de mamulengos em que um padre é assediado por uma jovem e bela moça, correspondendo à corte. Nesse momento, uma família inteira se retirou do teatro, sendo seguida por outras. Um assunto tão delicado, que ocupou boa parte do debate após o espetáculo. Durante a conversa, a autora, o diretor e os atores de Babau contaram que nos espetáculos originais de mamulengos – ricos em situações cômicas e satíricas e que normalmente duram muitas horas – há cenas tão pesadas, que só podem ser apresentadas tarde da noite, depois que todas as crianças já foram retiradas da platéia. O que fora apresentado naquela tarde às crianças de Blumenau, era, segundo eles, algo suave. Como também me pareceu.
Caminhando pela cidade, fiquei pensando em como é rica a nossa cultura e em como são interessantes as singularidades dos habitantes de nossos longínquos Estados.
O Fenatib me deu ainda a oportunidade de conhecer montagens como A pedra do meio-dia ou Artur e Isadora, baseado em cordel de Bráulio Tavares, encenado pelo grupo baiano Núcleo Criaturas Cênicas, e Contas diárias, com o grupo Companhia do Ator Cômico, de Curitiba. Mas, entre todas as peças vistas, houve uma que me surpreendeu particularmente: O romance do vaqueiro Benedito, com o grupo de Teatro Mamulengo Presepada – Invenção Brasileira, de Taguatinga (DF). Grupo formado, na realidade, por Chico Simões, autor, diretor e ator do espetáculo, que se apresenta acompanhado pelo músico Francisco Wellington..
A leitura da sinopse da peça, que descreve as aventuras de um casal que foge da fazenda do Capitão João Redondo depois que a moça engravida, me levou ao pátio da Fundação Cultural de Blumenau sem grandes expectativas. Eis que Chico Simões entra em cena e me percebo, em um minuto, tomada pelo encantamento. Tento manter um certo distanciamento para observar o segredo do artista. Penso: como ele consegue manter a platéia em suas mãos? O que faz para nos surpreender a cada minuto? Como pode sentir-se tão à vontade no palco, totalmente a mercê da improvisação?
Aos poucos, vou observando que Chico Simões não tem um texto pronto porque não precisa. Durante o prólogo – praticamente a metade da peça – ele instiga as crianças a pensarem, propondo brincadeiras com os sons das palavras e suas rimas e levantando questões sobre os conceitos de tempo – o presente, o passado e o futuro. Trocando informações com seu jovem e atento público, fazendo piadas quando o assunto pede e falando sério quando necessário, o artista constrói seu espetáculo diante da platéia.
Quando começa o teatro de mamulengos propriamente dito, o público está completamente rendido, desmanchando-se de rir diante da riqueza e da graça dos personagens de nossa cultura popular. Há anos na estrada com seu espetáculo, no Brasil e no exterior, o mestre dá a suas platéias uma prazerosa aula de teatro.
Esses dias passados em Blumenau me trouxeram uma grande paz de espírito. Durante o Fenatib tive a certeza de que, por maiores que sejam os apelos das novas tecnologias, sempre haverá espaço para as peças infantis que priorizam a poesia e o desenvolvimento da imaginação infantil. E, sobretudo, para artistas que gozam de forma intensa aquele momento único de encontro com seu público.


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